É sabido que o sistema tributário brasileiro é extremamente complexo e instável. Esse ambiente, que garante pouca segurança jurídica aos contribuintes, gera um contencioso fiscal de grandes proporções e a percepção de que, por maior que seja o investimento e o esforço, é impossível cumprir todas as obrigações tributárias previstas em nossas leis.
Esse contexto gera um sentimento de frustração aos contribuintes, o que é reforçado pela sensação de que, no Brasil, todos são tratados de maneira semelhante, isso quando não são privilegiados justamente aqueles que, deliberadamente, não cumprem as leis.
As autoridades fiscais, ao seu turno, pouco colaboram para mudar esse panorama. Em geral, atuam sob a premissa de que todo contribuinte é um sonegador em potencial, sendo que para combater esse comportamento as ferramentas utilizadas são as fiscalizações e penalizações, o que é conhecido como Paradigma do Crime¹ .
Dentro desse cenário não é despiciendo o pensamento por parte dos contribuintes de que investir em compliance fiscal pode não surtir o efeito desejado, haja vista que a insegurança jurídica presente no ambiente tributário brasileiro pode acarretar autuações e penalizações, a despeito do cuidado em cumprir os ditames legais.
Essa perspectiva está longe de mudar, sendo certo que o sistema tributário brasileiro necessita de uma reforma profunda, que enderece os problemas acima mencionados, bem como outros, como é o caso da regressividade do sistema e a alta carga tributária na produção e circulação de mercadorias e serviços.
Contudo, um movimento iniciado pelo Estado de São Paulo oferece esperança de mudança nos procedimentos adotados pelo fisco, por meio do que se convencionou a chamar de Paradigma do Serviço. Nesse paradigma, o contribuinte deixa de ser visto pelas autoridades fiscais como um potencial sonegador, sendo adotada a premissa de que ele deve ser orientado no sentido de obedecer às normas tributárias, ao menos aqueles que não se revelam sonegadores contumazes.
Com esse objetivo, por meio da Lei Complementar nº 1320/2018, o Estado de São Paulo criou o “Programa Nos Conformes”. Segundo consta do próprio site da Fazenda do Estado de São Paulo, o programa tem como propósito iniciar “uma nova lógica de atuação do Fisco estadual, voltada ao apoio e à colaboração em substituição gradativa ao modelo excessivamente focado na lavratura de autos de infração, que gera grande insegurança jurídica e induz o contencioso administrativo e judicial”² .
A ideia central do programa é classificar os contribuintes de acordo com o risco a exposição de passivos tributários. Contribuintes classificados nas faixas de menor risco passam a contar com tratamento diferenciado do fisco, cuja premissa sobrevém a ser de orientação e não punição.
Na esteira do “Programa Nos Conformes” a Receita Federal criou o “Programa Pró-Conformidade” – ainda em fase de consultas públicas – que possui as mesmas premissas do sistema paulista e que será aplicável para os contribuintes de tributos federais.
Se é verdade que temos um longo caminho a percorrer na busca de um sistema tributário justo, não podemos deixar de louvar essas iniciativas que revelam um novo olhar do Fisco, muito mais concernente com as premissas do Paradigma do Serviço. É um avanço a ser comemorado!
Um forte abraço!
Professor Fabio Silva
https://linktr.ee/Prof.Fabio
[1] Para saber mais sobre o Paradigma do Crime e do Serviço consulte a dissertação de mestrado “Observância tributária: integrando paradigmas em busca de mais conformidade fiscal”, de autoria de Fabio Pereira da Silva, disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12136/tde-13082015-091911/pt-br.php. Consulta em 03 de dezembro de 2018
[2] Disponível em https://portal.fazenda.sp.gov.br/Noticias/Paginas/Nos-Conformes-%C3%A9-aprovado-pela-Assembleia-Legislativa-de-S%C3%A3o-Paulo.aspx. Consulta em 03 de dezembro de 2018
Observação: Publicado originalmente em 04 de dezembro de 2018 no Blog “Comunica FIPECAFI”, disponível no link: http://blog.fipecafi.org/compliance-fiscal-enfim-um-olhar-diferente-do-fisco/