Em 22 de julho de 2015 a Prefeitura Municipal de São Paulo promulgou a Lei 16.240/2015 instituindo o Programa de Regularização de Débitos relativos ao ISS – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza no Município de São Paulo, envolvendo as sociedades uniprofissionais, conhecidas como SUP.
Inicialmente referida legislação não causou qualquer controvérsia ou debate na comunidade jurídica ou perante os contribuintes paulistanos. Não poderia ser de outra forma, visto que a esmagadora maioria dos contribuintes cadastrados no SUP não possuía qualquer débito perante a Prefeitura de São Paulo, de modo que não foi dada a devida atenção, naquele momento, ao “programa de regularização de débitos”.
Ocorre que, para surpresa de toda comunidade empresarial, as empresas cadastradas no SUP vêm sendo notificadas pela Prefeitura para que apresentem declaração de sociedade uniprofissional (D-SUP), no qual necessitam responder longo questionário para, ao final, serem comunicados de possível desenquadramento do SUP e, o que é mais grave, serem notificados da existência de débito fiscal de elevada monta, sob pena de inscrição na dívida ativa.
No instante do preenchimento do respectivo questionário, as empresas se deparam com questionamentos claros e precisos sobre adotar a natureza de sociedade limitada. O fisco municipal em Parecer Normativo SF nº 3/2016 dispõe em seu art. 3º sobre as pessoas jurídicas que não fazem jus ao benefício, entre elas as sociedades limitadas, como vemos:
Art. 3º Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores e no § 2º do art. 15 da Lei nº 13.701, de 2003, não faz jus ao regime especial próprio das Sociedades Uniprofissionais a pessoa jurídica que:
I – tenha mais de uma atividade profissional como objeto da prestação de serviço no contrato social;
II – adote o modelo de sociedade limitada, uma vez que neste tipo societário o sócio não assume responsabilidade pessoal, sendo sua responsabilidade limitada à participação no capital social, observado o disposto no art. 5º;
III – mesmo não adotando o modelo de sociedade limitada, tenha profissional que responda de forma limitada, observado o disposto no art. 5º;
IV – tenha sócio cuja habilitação não alcance a totalidade do objeto social. (grifamos)
Entendemos não haver óbice para enquadramento no regime especial para as sociedades limitadas, nas hipóteses em que sua natureza e serviços são prestados pelos profissionais de forma pessoal. Isso porque, o registro na Junta Comercial não necessariamente impede a responsabilidade pessoal dos sócios em algumas ocasiões.
Nessa linha, o Decreto Legislativo nº 406 de 1968, o qual regula em seu art. 9ª a base de cálculo do ISS para as sociedades Uniprofissionais, deixa expresso em seu parágrafo 3º do referido artigo, se enquadrarão nessa hipótese as sociedades cujos sócios assumam responsabilidade pessoal. Porém, é de se notar que em ponto algum o referido decreto trata ou faz referência sobre registros na junta comercial ou o fato de a empresa assumir a forma de sociedade limitada. O principal objetivo é permitir que, caso seja atribuída responsabilidade pessoal aos sócios, na forma da lei especial de cada profissão, as empresas possam optar por um regime especial de tributação do ISS.
Consequentemente, como negar tal modelo de tributação aos médicos e contadores, por exemplo, os quais claramente assumem responsabilidade pessoal e técnica sobre os seus atos? Vale a pena observar o dispositivo:
Art 9º A base de cálculo do impôsto é o preço do serviço.
- 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o impôsto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
(…)
- 3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.
A bem da verdade, o que se leva (ou deveria se levar) em consideração é o fato de a sociedade profissional, seja ela simples ou limitada, se constitua por pessoas de mesma profissão, que prestem serviço de modo pessoal, assumindo responsabilidade pessoal sobre seus atos. Em sendo essas as hipóteses, as empresas se enquadram na previsão da Lei 13.701/03 e fazem jus a tributação nela estabelecida.
Seguindo rumo similar, outro ponto muito adotado pelo próprio Tribunal de Justiça de São Paulo, reza que a não entrega da Declaração se caracteriza simples inadimplemento de obrigação tributária. Apesar de mandatória a multa, não possui o condão de desenquadrar do regime tributário especial das Sociedades Uniprofissionais. Vejamos alguns julgados:
APELAÇÃO CÍVEL – Ação Anulatória – ISS – Sociedade simples formada por médicos. 1) Pretendido recolhimento do tributo em valor fixo anual, conforme disposição prevista no art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei nº 406/68, que disciplina a cobrança do ISS sobre serviços prestados por sociedades uniprofissionais – Desenquadramento do regime tributário especial – Descumprimento de obrigação acessória que não tem o condão de alterar a relação jurídico-tributária. 2) Cobrança de multas por descumprimento de obrigação acessória – Inteligência do art. 113, § 2º, do CTN – Obrigação referente ao interesse da fiscalização e arrecadação de tributos – Sucumbência mínima da autora – Sentença parcialmente reformada. Recurso parcialmente provido. (TJSP; Apelação Cível 1008466-54.2018.8.26.0577; Relator (a): Eutálio Porto; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de São José dos Campos – 1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 04/06/2019; Data de Registro: 04/06/2019)
Mandado de Segurança. Sociedade de Advogados Pretensão da impetrante em recolher o ISS sobre o valor fixo anual, no período em que esteve desenquadrada do Regime Especial das Sociedades Uniprofissionais – Cabimento – Suficiência de provas documentais acerca da condição da interessada de sociedade beneficiária do pretendido tratamento privilegiado O simples atraso da impetrante em fornecer ao Fisco as declarações eletrônicas não tem o condão de lhe alterar a condição de sociedade uniprofissional, pois trata-se de obrigação acessória para cujo descumprimento a lei pode prever algum tipo de penalidade pecuniária – Precedentes jurisprudenciais – Sentença parcialmente reformada – Recursos voluntário (da Municipalidade) e ex officio desprovidos, e recurso da impetrante provido. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1049504-66.2018.8.26.0053; Relator (a): Wanderley José Federighi; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 15ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 23/05/2019; Data de Registro: 27/05/2019)
No mais não pretendemos adentrar na legalidade do ato da Prefeitura de São Paulo em relação ao desenquadramento das sociedades uniprofissionais no regime de recolhimento especial do ISS, que considera a quantidade de profissionais para cálculo do valor devido, ao contrário da receita dos serviços. Isto porque para tanto há necessidade de avaliar as condições fáticas de cada contribuinte, o que foge do escopo que se pretende no momento.
Em verdade, o que espanta neste caso é que a Prefeitura manteve durante anos as empresas cadastradas no regime uniprofissional, aceitando tacitamente esta condição, inclusive encaminhando os boletos de recolhimento do SUP diretamente aos contribuintes, que se limitavam ao pagamento do ISS.
Importante destacar que não é vedado à administração pública modificar os critérios de enquadramento neste regime especial, desde que assim faça com base na legislação em vigor, inclusive desenquadrando empresas que, conforme a lei, não são sociedades uniprofissionais.
O que se questiona é o efeito retrospectivo oferecido a esta modificação. Em outras palavras não poderia a Prefeitura Municipal pretender cobrar tributos supostamente inadimplidos pelas empresas durante os últimos 05 (cinco) anos, com juros e multas, quando a própria administração tributária não apenas anuiu ao cadastramento do SUP, como durante todo este lapso temporal enviou as respectivas guias para o recolhimento do valor devido pelo contribuinte.
Neste sentido, o Código Tributário Nacional assim dispõe:
Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.
Como resultado, a modificação introduzida pela administração deve vigorar a partir do desenquadramento das empresas do SUP, e não poderia produzir efeitos retroativos, o que configuraria ofensa ao artigo 146 acima transcrito, além da evidente violação ao princípio da segurança jurídica.
Nesse diapasão se posiciona o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao definir que mudança de critério jurídico, como o especificado, não atribui efeitos que retroajam ao ato de exclusão, vejamos:
INDÉBITO ISS – Município de São Paulo – Desenquadramento da autora como sociedade uniprofissional, decorrente de fiscalização estampada em autos de infração lavrados em 2018, ao tempo em que a autora era sociedade limitada, alterando a sua forma para sociedade simples pura somente em abril de 2019 – Hipótese em que não houve modificação da situação anterior que enquadrou a sociedade como uniprofissional, mesmo sob a forma de sociedade limitada, que, isoladamente, não desnatura o caráter de sociedade uniprofissional, com responsabilidade dos sócios pelos débitos tributários – Precedentes do STJ posteriores ao entendimento anteriormente adotado quanto à feição empresária da sociedade limitada – Alteração de critério jurídico que não justifica a revisão dos lançamentos, por se tratar de erro de direito e não erro de fato – Possibilidade de discussão da validade do termo de confissão de dívida – Sentença que julgou improcedente os pedidos reformada Recurso provido.” – (Apelação Cível n° 1017166-05.2019.8.26.0053 Rel. Desembargador Rezende Silveira J. 28/11/2019) (grifo nosso)
APELAÇÃO Ação anulatória – Sociedade médica, constituída por cotas de responsabilidade limitada ao capital social Recolhimento do imposto sob o regime de alíquota fixa, nos moldes do art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-lei nº 406/68 Desenquadramento do regime especial – Possibilidade – Caráter empresarial não afastado Irretroatividade dos fatos geradores anteriores ao desenquadramento – Erro de direito que não permite alcançar fatos pretéritos – Inteligência dos arts. 146 e 149 do CTN – Mudança de critério que tem por base alteração do entendimento jurídico aplicado pelo Município – Precedentes do C. STJ e desta E. Câmara – Anulação dos autos de infração que tenham por objeto fatos geradores anteriores ao desenquadramento – Sentença reformada em parte Recurso da autora parcialmente provido. (Apelação Cível nº 1054608-05.2019.8.26.0053, Rel. Desembargador Roberto Martins de Souza, 17/04/2020) (grifo nosso)
Outro ponto que merece questionamentos é a remissão contida no artigo 5º da Lei nº 16.240/2015, abaixo reproduzido:
Art. 5º Ficam remitidos os débitos consolidados na forma do art. 4º desta lei, e anistiadas as infrações a eles relacionadas, para os valores de até R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
Efetivamente, não parece haver qualquer fundamento legal que justifique a remissão dos débitos tributários até R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e a manutenção daqueles superiores a esta quantia. O estabelecimento de teto fixo pode causar tratamento desigual de empresas em situação equivalente. Para exemplificar, um contribuinte com débito de R$ 1.000.000,00 é integralmente perdoado, sendo sua dívida cancelada, ao passo que aquele que deve R$ 1.000.000,01 somente tem direito a descontos nos juros e na multa, permanecendo integral o suposto débito relativo ao principal.
Neste caso, questionamentos devem surgir em respeito ao princípio da isonomia. Parece despropositado que após longos anos aceitando a manutenção do cadastro destas empresas no SUP, a Prefeitura modifique seu entendimento praticando o desenquadramento das empresas e a cobrança retroativa dos débitos, “perdoando” apenas parte dos contribuintes.
Trata-se de um exemplo clássico da insegurança jurídica que permeia o exercício da atividade empresarial e que tanto prejudica nosso país. A administração pública não oferece mínima segurança para que o empresário brasileiro planeje e execute suas atividades empresariais, inclusive não é incomum a mudança de entendimento a respeito da legislação tributária de forma abrupta, colocando em risco a continuidade de muitos negócios.
Por este motivo é recomendável aos empresários nesta situação o exercício do amplo direito de defesa, buscando assessoria jurídica de confiança visando questionar a imposição da Prefeitura paulistana.
Um forte abraço!
Professor Fabio Silva
https://linktr.ee/Prof.Fabio
Observação: Publicado originalmente com alterações em janeiro de 2016 no site Jus, disponível no link: https://jus.com.br/artigos/45667/declaracao-de-sociedades-uniprofissionais-sup-da-prefeitura-do-municipio-de-sao-paulo