Embora decorra do cumprimento de uma obrigação legal e ser necessário para a manutenção dos serviços públicos, o pagamento de tributos normalmente gera insatisfação por parte ao contribuinte por resultar na redução de seu patrimônio. Por essa razão, hoje iremos abordar uma oportunidade relacionada ao reembolso do imposto de renda recolhido pelos contribuintes que auferiram nos últimos 05 anos renda relacionada à pensão alimentícia.
Ocorre que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar no dia 06/06/2022 a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.422, ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), se pronunciou pela impossibilidade de tributação sobre esses rendimentos.
A ação foi proposta para questionar o§ 1º do artigo 3º da Lei nº 7.713/1988 e os artigos 5º e 54 do Decreto nº 3.000/1999 (Regulamento do Imposto de Renda), que previam, basicamente, a incidência do imposto de renda sobre rendimentos brutos percebidos em dinheiro decorrentes de alimentos ou pensão alimentícia decretada ou homologada judicialmente.
O STF entendeu que os valores recebidos a título de alimentos ou pensão alimentícia não possuem qualquer natureza de provento, renda ou riqueza, ou seja, não configuram acréscimo patrimonial por parte do alimentando (que recebe a pensão), de modo que não ensejam a ocorrência do fato gerador do imposto sobre a renda.
Para os Ministros, o pagamento da pensão alimentícia visa a proporcionar vida compatível com sua condição social (dado ser direito social alçado ao patamar constitucional, conforme art. 6º da Constituição da República, incluído pela Emenda Constitucional nº 64/2010), não representando nova riqueza por parte daquele que a recebe, mas sim apenas uma entrada de valores retirados dos rendimentos do pagador do rendimento.
Para o Relator, Ministro Dias Toffoli, permitir a tributação via Imposto de Renda dos montantes recebidos a título de alimentos ou pensão alimentícia incorreria em “bis in idem camuflado”, ou seja, em dupla tributação inconstitucional, tendo em vista que já haveria tributação sobre os rendimentos do próprio pagador da pensão, não cabendo nova incidência quando do recebimento de tais valores pelo alimentando. Segundo o Ministro, a separação do casal não deve influenciar o status da tributação, tendo em vista que estando ou não o casal separado, os rendimentos terão a mesma destinação ao alimentando, não sendo razoável permitir que o Estado atribua maior encargo tributário à uma espécie de configuração familiar, sob pena de violação ao princípio da isonomia.
Adicionalmente, o Ministro Roberto Barroso teceu importantes considerações acerca dos impactos da tributação indevida da pensão alimentícia sobre a igualdade de gênero. Em seu voto-vista, o Ministro demonstrou que a incidência do imposto de renda sobre os valores recebidos a título de pensão alimentícia penaliza ainda mais as mulheres, haja vista que estas detêm a guarda dos filhos em quase 70% dos casos após a separação conjugal. Assim, ao ver do Ministro, a tributação não deve ser utilizada como instrumento de aprofundamento das desigualdades de gênero, não cabendo ao Estado onerar a mulher de maneira discriminatória.
Por fim, o Ministro Alexandre de Moraes, acompanhando o voto do relator, também argumentou que a tributação da pensão alimentícia recebida pelo alimentando resulta em violação à garantia ao mínimo existencial, considerando que a tributação não deve obstar a fruição de direitos fundamentais pelos cidadãos.
Vale mencionar, ainda, que a decisão proferida pela Suprema Corte na citada ADI possui caráter vinculante para todo o Poder Judiciário e Administração Pública (em todas as suas esferas, conforme parágrafo único do artigo 28 da Lei 9.868/1999), vinculando, assim, a própria Receita Federal de forma automática, não sendo necessário o ajuizamento de medidas judiciais ou da edição de atos por parte do Ministério da Economia e Fazenda para o cumprimento da decisão judicial.
Importante destacar que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional requereu a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, por meio de embargos de declaração, para que a incidência do imposto de renda sobre pensões alimentícias fosse considerada inconstitucional apenas a partir do julgamento do caso pelo STF. Contudo, tal pleito restou inteiramente rejeitado pela Corte, em sessão realizada em 30/09/2022, de modo que todos os valores recolhidos indevidamente nos últimos 05 (cinco) anos poderão ser objeto de restituição perante a Receita Federal, pedido este que deve ser realizado administrativamente por meio da retificação das declarações anteriores. Os valores serão corrigidos pela Selic (taxa básica de juros) do período, não havendo data definida para a devolução dos recursos.
Portanto, os contribuintes que pagaram imposto de renda em razão do recebimento de pensão alimentícia podem pleitear a restituição dos valores recolhidos nos últimos 05 (cinco) anos, devendo, para tanto, enviar declaração retificadora por meio do Programa Gerador da Declaração, no Portal e-CAC, ou pelo aplicativo “Meu Imposto de Renda”, disponibilizados pela Receita Federal.
A depender do montante de rendimentos do contribuinte é possível que as retificações aumentem o valor a ser restituído pela União Federal ou que reduza o valor devido de imposto de renda, o que exigira o preenchimento de declaração de restituição (PER web) também disponível no Portal e-CAC.
Como comentamos inicialmente, o pagamento de tributos normalmente gera descontentamento aos contribuintes. Portanto, a oportunidade de obter reembolso de valores indevidamente recolhidos certamente será motivo de grande satisfação, motivo pelo qual é recomendável avaliar a situação e, em caso de dúvidas, buscar um profissional do direito ou da contabilidade para lhe auxiliar no exercício do seu direito.
Forte abraço!
Professor Fabio Silva
Kauê Guimarães
https://www.linkedin.com/in/kaue-guimaraes-castro/