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Entendendo (ou tentando entender) o CPC 32!

Um dos CPC´s mais complexos de ensinar aos alunos – ao menos segundo minha experiência em sala de aula – trata-se do CPC 32 que dispõe sobre “Tributos sobre o Lucro”. O desafio durante as aulas é tornar a linguagem do CPC 32 mais palatável para fins didáticos, o que quase nunca é uma tarefa simples.

 

Na coluna de hoje pretendemos trazer algumas definições didáticas, com exemplos práticos, que possam ajudar aqueles que estão iniciando seus estudos sobre esse importante CPC.

 

Em primeiro lugar, consta do texto do CPC 32 que o seu objetivo é estabelecer o tratamento contábil para os tributos sobre o lucro, o que já limita seu escopo de aplicação, ao menos no Brasil, ao IRPJ e a CSLL[1]. Até aqui, tudo bem, claro e objetivo. O texto começa a complicar logo depois, trazendo as primeiras dúvidas. Vejamos o que diz o normativo:

 

A questão principal na contabilização dos tributos sobre o lucro é como contabilizar os efeitos fiscais atuais e futuros de:

(a) futura recuperação (liquidação) do valor contábil dos ativos (passivos) que são reconhecidos no balanço patrimonial da entidade; e

(b) operações e outros eventos do período atual que são reconhecidos nas demonstrações contábeis da entidade.

 

Vamos tentar traduzir isso em termos práticos!

 

Nos sabemos que, segundo o artigo 6º do Decreto-lei nº 1.598/1997, o lucro real é o lucro líquido do exercício ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação tributária. Em outras palavras, para calcular o lucro real partimos do lucro líquido, o que significa dizer que, em condições normais, são duas grandezas diversas, ou seja, há diferenças entre elas em razão dos ajustes exigidos pela legislação tributária.

 

Tais diferenças podem ser decorrentes de ajustes definitivos ou temporários. Por exemplo: multa por infração de trânsito é uma despesa indedutível e, portanto, deve ser adicionada ao lucro líquido para cálculo do lucro real. Por outro lado, receita de equivalência patrimonial não é tributada e, portanto, deve ser excluída do lucro líquido com objetivo de calcular o lucro real.

 

Até aqui nada complexo. O problema surge quando esses ajustes são temporários, ou seja, ele é realizado porque a despesa não é dedutível no momento (e sim no futuro), e a receita não é tributada no momento (e sim no futuro). Dizendo de outro modo, o efeito tributável daquela despesa ou receita, contabilizados no período, foi prorrogado, postergado, D I F E R I D O!

 

É nesse momento que entra em cena a contabilização do diferido. Basicamente é como se o CPC falasse o seguinte: se a despesa foi contabilizada hoje, ainda que seja dedutível apenas no futuro, o efeito tributário dessa dedução deve ser contabilizado hoje. Isso igualmente vale para a receita: se ela foi contabilizada hoje, ainda que o tributo somente incida sobre ela no futuro, a despesa tributária correspondente deve ser contabilizada hoje.

 

Notem que o CPC 32, depois de compreendido, revela simples obviedades. Não faria sentido contabilizar uma receita hoje e sua despesa tributária correspondente não ser igualmente contabilizada. Isso representaria um evidente desvirtuamento da realidade econômica das transações, além de afetar a transparência da informação contábil, por distorcer o resultado[2].

 

Tais conclusões não são tão intuitivas quando lemos o texto do CPC 32. Veja, por exemplo, a definição de base fiscal:

 

A base fiscal de um ativo é o valor que será dedutível para fins fiscais contra quaisquer benefícios econômicos tributáveis que fluirão para a entidade quando ela recuperar o valor contábil desse ativo. Se aqueles benefícios econômicos não serão tributáveis, a base fiscal do ativo é igual ao seu valor contábil.

 

Mas, afinal, o que isso quer dizer? Na prática, podemos assumir que quando houver diferença entre a base fiscal e a base contábil de um ativo, teremos um tributo diferido. Como isso acontece exatamente? Vejamos um exemplo simplificado:

 

A empresa XYZ adquiriu uma máquina por R$ 300.000,00 que será depreciada contabilmente em 10 anos, ou seja, R$ 30.000,00 ao ano. Em razão do seu uso intensivo a empresa pode depreciar fiscalmente o bem em 5 anos, ou sejam R$ 60.000,00 ao ano. Isso significa que, após um ano, o valor contábil da máquina será de R$ 270.000,00, ao passo que seu valor fiscal será de R$ 240.000,00. Notem que o valor contábil é maior que o valor fiscal, em razão da depreciação fiscal acelerada do bem. Quem já se acostumou com a aplicação do CPC 32 já irá concluir que aqui nos deparamos com um passivo fiscal diferido. Por que isso ocorre?

 

Em primeiro lugar vamos ver uma representação gráfica do custo do ativo, contábil e fiscal, respectivamente, ano após ano. Vejamos:

 

 

 

Como podemos notar, em razão da depreciação acelerada, a base fiscal atinge zero após 05 anos, momento em que cessamos a depreciação fiscal, afinal a totalidade do custo já terá sido deduzida fiscalmente. Por sua vez, a base contábil do ativo após 05 anos será de R$ 150.000,00, o que significa que a depreciação contábil ainda permanecerá durante mais 05 anos, mantida todas as constantes.

 

Acontece que ao final do ano 01 a entidade registra uma depreciação contábil de R$ 30.000,00, ao passo que a depreciação fiscal é de R$ 60.000,00, o que permite que a empresa realize uma exclusão de mais R$ 30.000,00 do lucro líquido, de modo a totalizar a despesa de depreciação fiscal acelerada de R$ 60.000,00. Esse ajuste resulta em lucro líquido menor, o que tem como consequência um desembolso menor de IRPJ e CSLL.

 

Todavia, esse efeito é temporário. Conforme vemos no gráfico a partir do final do ano 05 a empresa já terá depreciado fiscalmente todo o ativo (base fiscal = zero), ao passo que ainda restará mais 05 anos de depreciação contábil (base contábil = R$ 150.000,00). Como resultado, a partir do ano 06 será registrada contabilmente uma despesa de depreciação de R$ 30.000,00. Pergunto: a empresa pode calcular o IRPJ e a CSLL sem realizar nenhum ajuste ao lucro líquido?

 

A resposta é NÃO! Afinal, o ativo já estará totalmente depreciado para fins fiscais, o que exigirá o ajuste por meio de uma adição ao lucro líquido no valor de R$ 30.000,00 (exclusão nos 05 primeiros anos e adição nos últimos 05 anos). Isso porque a depreciação contábil reduziu o lucro líquido nesse montante e a adição serve para anular essa redução, afinal não há mais depreciação fiscal a ser considerada, sob pena da empresa deduzir mais do que o valor do custo do ativo.

 

Certamente nesse momento você já conseguiu perceber qual é o efeito da depreciação acelerada nesse exemplo: reduzir o lucro real nos 05 primeiros anos, tendo como consequência seu aumento nos últimos 05 anos. Dizendo de outro modo, a depreciação acelerada diferiu parte da obrigação tributária!

 

É por isso que, a cada um dos 05 primeiros anos, a empresa registra um PASSIVO FISCAL DIFERIDO. Isso porque a depreciação acelerada difere a obrigação fiscal, ou seja, atribui um passivo para o futuro, exigindo seu registro (débito no resultado e crédito no passivo). A partir do 06º ano a entidade passa a realizar a “baixa” do passivo, o que faz debitando passivo e creditando resultado.

 

Notem que após 10 anos a base contábil e a base fiscal, assumindo a manutenção de tudo constante, se igualarão, atingindo ambas o valor zero. Nesse momento, da mesma forma, não restará nenhum passivo fiscal diferido.

 

O exemplo poderia ser o contrário, ou seja, depreciação contábil mais rápida do que a depreciação fiscal, o que resultaria em uma adição e registro de um ATIVO FISCAL DIFERIDO. Suponha que a máquina, para fins didáticos, sofresse depreciação contábil de 01 ano e fiscal de 02 e vamos alterar o valor do custo do bem para R$ 280.000,00. Acompanhe os resultados a seguir:

 

Primeiro calculamos o LAIR:

 

 

Posteriormente, realizamos o cálculo do Lucro Real, por meio dos ajustes no LALUR:

 

 

Veja que realizamos uma adição de R$ 140.000,00. Isso ocorre porque a depreciação fiscal é de somente R$ 140.000,00, ao passo que no lucro líquido consta um montante de depreciação contábil de R$ 280.000,00, exigindo o ajuste por meio de uma adição. É dizer: fiscalmente somente é possível depreciar R$ 140.000,00 e não R$ 280.000,00, conforme consta na contabilidade. Isso fez surgir um ativo fiscal diferido de R$ 47.600,00, que encontramos aplicando a alíquota de 34% do IRPJ e CSLL sobre a adição de R$ 140.000,00.

 

Vejamos agora como ficou nossa DRE do Exercício:

 

 

Em termos simples, o que isso está a nos dizer: a empresa pagou R$ 47.600,00 a mais de tributos nesse período por conta da adição, mas, no futuro, poderá excluir R$ 140.000,00 do lucro líquido e pagar menos tributos como consequência, ou seja, há um direito de pagar menos tributos no futuro, por isso temos o registro de um ativo fiscal diferido (debita ativo e credita resultado).

 

Quer conferir? Basta imaginarmos a hipótese de não haver qualquer adição ao lucro líquido. Pegue a calculadora e verifique que, sem a adição, calcularíamos 34% x LAIR, o que resultaria em R$ 295.800,00 de tributos correntes. Adivinhe só: exatamente R$ 47.600,00 a menos do que pagamos de IRPJ e CSLL no período, o que significa que, ao realizamos a adição, pagamos mais do que pagaríamos sem o ajuste, o que faz surgir um ativo fiscal diferido, porque no futuro iremos pagar R$ 47.600,00 a menos. Vamos confirmar essas afirmações!

 

No segundo ano a situação se inverte. Comecemos pelo cálculo do LAIR:

 

 

Nesse segundo ano não há depreciação contábil da máquina, afinal, ela já foi completamente depreciada. Contudo, fiscalmente ainda há R$ 140.000,00 a ser depreciado. Por isso, uma vez que no lucro líquido não consta depreciação alguma, a empresa pode realizar a exclusão do montante (repare que no primeiro exemplo foram feitas exclusões nos 05 primeiros anos e adições nos 05 últimos anos; nesse exemplo foi feita uma adição no primeiro ano e uma exclusão no segundo):

 

 

Conseguimos notar que não apenas calculamos o montante devido no período (tributo corrente), como também estamos revertendo o tributo diferido (debitamos resultado e creditamos ativo fiscal diferido). Vejamos nossa DRE como ficou:

 

 

Em resumo podemos concluir que o tributo diferido surge quando há diferenças temporárias entre o lucro líquido e o lucro real. O ativo fiscal diferido é decorrente de adições temporárias que resultam em tributo a maior a ser pago no período, mas que o efeito foi diferido para que no futuro seja realizada uma exclusão e, portanto, seja reduzido o montante a pagar oportunamente. Trata-se de um direito que foi prorrogado, postergado, diferido (isso ocorre, inclusive, com o prejuízo fiscal, direito de a empresa reduzir a base tributária no futuro). Por outro lado, quando a empresa faz uma exclusão significa que ela está pagando menos tributo no período, o que equivale dizer que a obrigação tributária foi prorrogada, postergada, diferida, fazendo nascer um passivo fiscal diferido, a ser satisfeita no futuro, o que ocorrerá por meio de uma adição.

 

De fato, esses não são conceitos tão simples e a leitura do CPC 32 é bastante densa. Porém, com um pouco de treino o cenário começa a desanuviar e a sistemática passa a soar natural em nosso cérebro.

 

Espero que essa coluna te ajude nesse processo!

 

Forte abraço!

 

Professor Fabio Silva

https://linktr.ee/Prof.Fabio

 

[1] Fica a reflexão: não deveríamos contabilizar diferidos de outros tributos, como PIS e COFINS?

[2] Qualquer semelhança com regime de competência e confronto entre receitas e despesas não é mera coincidência!