Uma das mais longas “brigas” do direito tributário envolve a definição do conceito de insumo para fins de creditamento do PIS e da COFINS.
Tudo começa com a previsão expressa contida no inciso II, do Artigo 3º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, a seguir reproduzido:
Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:
II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2o da Lei no 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI;
Aparentemente nada muito complexo, não fosse o fato de que contribuintes e autoridades fiscais discordam sobre o alcance do vocábulo “insumo”. Evidentemente, do lado dos contribuintes, expressa-se entendimento amplo, visando aumentar as possibilidades de crédito, de forma que praticamente todas as despesas das empresas se enquadrariam no conceito de insumo. As autoridades fiscais, ao seu turno, sempre manifestaram um entendimento bastante restritivo, o que resultava em redução do montante de créditos passíveis de aproveitamento pelos contribuintes, além de gerar grande contencioso fiscal.
É comum na doutrina tributária a menção de três fases envolvendo a evolução do entendimento sobre a definição do conceito de insumo, o que resumimos a seguir:
Destaca-se, na primeira fase, o Artigo 8º, §4º da Instrução Normativa SRF n° 404/2004, que assim dispunha:
[…] entende-se como insumos:
I – utilizados na fabricação ou produção de bens destinados à venda:
a matéria-prima, o produto intermediário, o material de embalagem e quaisquer outros bens que sofram alterações, tais como o desgaste, o dano ou a perda de propriedades físicas ou químicas, em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação, desde que não estejam incluídas no ativo imobilizado;
os serviços prestados por pessoa jurídica domiciliada no País, aplicados ou consumidos na produção ou fabricação do produto;
Podemos perceber a inspiração na legislação do IPI, sendo permitido o crédito referente à aquisição de matéria-prima, produto intermediário, material de embalagem e quaisquer outros bens que estejam fisicamente relacionados com os produtos em fabricação.
Esse entendimento restritivo foi objeto de intenso questionamento por parte dos contribuintes e teve como consequência algumas manifestações do CARF em resposta, sugerindo um conceito mais amplo para o termo insumo, mais próximo daquele referente às despesas necessárias para fins de IRPJ, conforme extraímos do Processo nº 11020.001952/2006-22, Acórdão nº 320200.226:
“o termo ‘insumo’ utilizado para o cálculo do PIS e COFINS não cumulativos deve necessariamente compreender os custos e despesas operacionais da pessoa jurídica, na forma definida nos artigos 290 e 299 do RIR/99 e não se limitar apenas ao conceito trazido pelas Instruções Normativas n. 247/02 e 404/04 (embasadas exclusivamente na (inaplicável) legislação do IPI).”
Finalmente o embate chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) onde, nos autos do Recurso Especial 1.221.170/PR, foram fixadas as seguintes teses:
“É ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não cumulatividade da contribuição ao PIS e à Cofins, tal como definido nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.”
“O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.”
Sinteticamente, o STJ optou por uma definição própria para o conceito de insumo, afastando-se dos termos restritivos do IPI e do delineamento abrangente do IRPJ. Importa saber, no que tange ao PIS e a COFINS, se estão presentes os critérios de essencialidade ou relevância. Podemos definir que, dentro do contexto de análise, “essencial” é algo fundamental para a qualidade do produto ou serviço, ao passo que a relevância é algo que tem importância, por melhorar a qualidade do produto ou do serviço.
É inegável que essa decisão é relevante para os contribuintes, especialmente ao reconhecer a ilegalidade do conteúdo da IN 404/2004, que causava sérias restrições aos créditos das contribuições. Por outro lado, é indispensável mencionar que a decisão não resolve todos os problemas relacionadas às controvérsias que envolvem o conceito de insumo, eis que exige uma análise casuística, ou seja, o que é insumo para um contribuinte pode não ser para outro, o que impõe um estudo contextual com alto potencial de divergência entre as conclusões de contribuintes e fisco.
Outro ponto que tem sido discutido pela Doutrina é se a decisão do STJ afasta ou não o chamado “Teste de Subtração”. Singelamente explicando, o “Teste de Subtração” serve para revelar se a subtração de um determinado material tem alguma consequência para o processo produtivo ou para a prestação de serviço do contribuinte. É dizer: ele é realmente necessário para a atividade ou sua exclusão não implica em perda relevante de qualidade do produto ou serviço? Sobre o tema, é válido citar o entendimento do STJ exposto no julgamento do REsp nº 1.246.317/MG (DJe 29.6.2015):
“São ‘insumos’, para efeitos do art. 3º, II, da Lei 10.637/2002, e art. 3º, II, da Lei 10.833/2003, todos aqueles bens e serviços pertinentes ao, ou que viabilizam o processo produtivo e a prestação de serviços, que neles possam ser direta ou indiretamente empregados e cuja subtração importa na impossibilidade mesma da prestação do serviço ou da produção, isto é, cuja subtração obsta a atividade da empresa, ou implica em substancial perda de qualidade do produto ou serviço daí resultantes”.
Há um excelente trabalho acadêmico que traz minuciosa análise do conteúdo do julgado do Recurso Especial nº 1.221.170/PR, de autoria de Belisa Ferreira Liotti e Thiago de Mattos Marques, disponível no site da RDTA – Revista Direito Tributário Atual[1]. Visivelmente os Autores defendem ser inapropriada a exigência do “Teste de Subtração” após julgamento do RESP mencionado, sob o argumento de que apenas a essencialidade pode ser auferida por meio da aplicação dessa metodologia, não sendo compatível com o critério de relevância. Esse entendimento extraímos da nota 17 contida no bojo do artigo:
“Apesar de o chamado ‘teste de subtração’ ser eficaz para evidenciar a presença do critério da essencialidade em relação a determinado gasto, o mesmo não pode ser dito em relação à constatação do critério da relevância. Em virtude disso, diante do que restou decidido no REsp n. 1.221.170/PR sob o rito dos recursos repetitivos, o referido ‘teste de subtração’ não é suficiente para aferir se determinada despesa configura ou não insumo para fins de apropriação de créditos de PIS/COFINS”.
Apesar dos hábeis argumentos empreendidos pelos Autores, há sérias dúvidas sobre o chamado “Teste de Subtração” e se o método foi, realmente, abandonado pelo STJ e pelas autoridades fiscais. No próprio voto do Ministro Relator Napoleão Nunes Maia Filho é mencionado outro REsp (1.246.317/MG) em que o método é amplamente considerado.
Ademais, como os próprios Autores fazem constar no decorrer do trabalho mencionado, poucos dias após o julgamento do REsp nº 1.221.170/PR, o STJ se debruçou sobre o julgamento do REsp nº 1.647.925/SP, onde constou:
“[…] exame da essencialidade, pertinência e relevância em relação aos ‘custos’ e ‘despesas’ apontados e aplicação do ‘teste de subtração’ a fim de identificar se correspondem ao conceito de insumo delineados [no STJ].”
Por sua vez, a Receita Federal igualmente manifestou entendimento não descartando a aplicação do chamado “Teste de Subtração”, o que fez por meio do Parecer Normativo nº 5, de 17 de dezembro de 2018, muito embora menciona tratar-se de um método subsidiário, como ferramenta indiciária. Confira:
“21. O teste de subtração proposto pelo Ministro Mauro Campbell, segundo o qual seriam insumos bens e serviços ‘cuja subtração importa na impossibilidade mesma da prestação do serviço ou da produção, isto é, cuja subtração obsta a atividade da empresa, ou implica em substancial perda de qualidade do produto ou serviço daí resultantes’ (fls 62 do inteiro teor do acórdão), não consta da tese acordada pela maioria dos Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, malgrado possa ser utilizado como uma importante ferramenta indiciária na identificação da essencialidade ou relevância de determinado item para o processo produtivo. Vale destacar que a aplicação do aludido teste, mesmo subsidiária, deve levar em conta os comentários feitos nos parágrafos 15 a 18 quando do teste resultar a obstrução da atividade da pessoa jurídica como um todo”.
Portanto, nos parece que o “Teste de Subtração” não foi integralmente abandonado, mas deve ser aplicado à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, a significar não que o material em análise é absolutamente indispensável no processo produtivo ou na prestação de serviço, mas sim se ele confere qualidade superior ao produto ou serviço final, de forma que sua subtração teria como consequência qualidade inferior com potencial prejuízo ao contribuinte.
Antes de finalizarmos, não posso deixar de tecer uma crítica ao chamado “Teste de Subtração”. Talvez seja uma visão ingênua da minha parte, mas não parece competir às autoridades fiscais decidirem se determinado gasto ou despesa realizado pela empresa é essencial ou relevante para seu processo produtivo. Ora, deve-se partir da premissa que se a empresa aplica algum item no seu processo produtivo ou na sua prestação de serviço, o faz visando uma maior qualidade no cumprimento de suas atividades. Caso contrário, seria muito mais eficiente em termos de gestão administrativa evitar o sacrifício financeiro, aumentando sua margem de lucro.
Por exemplo, imagine uma empresa que fabrique um determinado produto e, ao final do processo produtivo, decida aplicar um produto que traz um brilho especial para a peça, consequentemente chamando mais atenção de eventuais clientes e, potencialmente, aumentando as vendas. Trata-se de um insumo necessário, indispensável ou imprescindível? Provavelmente – numa análise rigorosa – não. Contudo, a decisão administrativa da empresa visa obter melhor resultado nas vendas, o que justifica o gasto durante o processo produtivo. Não fosse assim, possivelmente o gasto seria evitado. Não cabe à autoridade fiscal interferir e decidir se a aplicação daquele acabamento é ou não essencial e relevante, muito pelo contrário, deveria incentivar os contribuintes a buscarem a máxima qualidade de seus produtos e serviços, aumentando suas vendas e, vejam só, o montante de tributos a serem recolhidos!
De toda forma, o que podemos notar após essas discussões é que as controvérsias envolvendo o conceito de insumo ainda estão longe de serem completamente dirimidas. Aliás, a bem da verdade, provavelmente jamais serão superadas, o que somente reforça a necessidade de discutirmos reformas que ataquem de forma direta o problema do crédito do PIS e COFINS.
Não custa ter esperança!
Forte abraço!
Professor Fabio Silva
[1] Disponível em https://ibdt.org.br/RDTA/wp-content/uploads/2019/11/Belisa-e-Thiago.pdf