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O regime monofásico e o entendimento do STJ sobre os créditos de PIS e COFINS

O regime monofásico do PIS e da COFINS tem fundamento constitucional no parágrafo 4º do artigo 149 que dispõe:

 

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

A lei definirá as hipóteses em que as contribuições incidirão uma única vez.

 

O regime monofásico é muito apreciado pelas autoridades fiscais[1] pela eficiência em termos arrecadatórios, na medida em que concentra a tributação em uma fase única da cadeia, normalmente na etapa da industrialização. Dessa forma, a incidência tributária abrange poucos contribuintes ou, melhor especificando, em número reduzido se comparado a quantidade de contribuintes varejistas que, em razão da incidência monofásica, são exonerados da obrigação tributária. A figura a seguir pode nos oferecer uma maior compreensão sobre essa questão, tomando como premissa que a primeira etapa se refere à indústria, a segunda ao atacado e a terceira ao varejo, ficando claro que a tendência é, conforme caminhamos nas etapas da cadeia, maior seja o número de contribuintes:

Não por outra razão, o regime monofásico é especialmente indicado para aqueles produtos em que há uma grande capilaridade de distribuição, ou seja, há concentração de produtores, mas a atividade varejista é muito proeminente, tornando a tarefa fiscalizatória bastante complexa.

No caso das contribuições do PIS e da COFINS, são poucos os produtos sujeitos ao regime monofásico. Vale citar os exemplos a seguir[2]:

 

  1. Combustíveis derivados de petróleo e álcool (Lei nº 9.718/98);
  2. Indústria farmacêutica e de cosméticos (regra geral: 2,20% para o PIS e 10,30% para a COFINS) (Lei nº 10.147/00);
  3. Bebidas Frias (Modelo Bifásico) (Lei nº 10.097/15);
  4. Veículos, máquinas e autopeças (regra geral: 2,0% para o PIS e 9,6% para a COFINS) (Lei nº 10.485/2002).

 

Basicamente, no regime monofásico temos a seguinte situação, em termos visuais:

A grande discussão que surgiu nos últimos anos sobre o tema envolveu justamente nessa definição no sentido de que no regime monofásico, as demais etapas da cadeia (em azul na figura) não detinham o direito ao registro de crédito normalmente permitidos para as empresas sujeitas ao regime não cumulativo do PIS/COFINS. Segundo os contribuintes, as vedações ao direito de crédito contidas nos artigos 3º, I, “b”, da Lei n. 10.637/2002 e 3º, I, “b”, da Lei n. 10.833/2003 teriam sido revogadas a partir da promulgação da Lei nº 11.033/2004, cujo artigo 17 assim dispõe:

 

Art. 17. As vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações.

 

Referida Lei instituiu o Regime Tributário para “Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária – REPORTO”, mas, apesar desse intuito específico, os contribuintes alegavam que o artigo 17 era extensivo fora do âmbito do Reporto, aplicando-se aos demais casos.

 

A tese ganhou corpo em 2017, no âmbito do julgamento do Recurso Especial nº 1.051.634 – CE[3], onde a Primeira Turma do STJ conferiu razão aos contribuintes, conforme extraímos da ementa a seguir:

 

PROCESSUAL. CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PIS E COFINS. TRIBUTAÇÃO PELO SISTEMA MONOFÁSICO. APROVEITAMENTO DE CRÉDITOS. POSSIBILIDADE. BENEFÍCIO FISCAL CONCEDIDO PELA LEI N. 11.033/04, QUE INSTITUIU O REGIME DO REPORTO. EXTENSÃO ÀS EMPRESAS NÃO VINCULADAS A ESSE REGIME. CABIMENTO.

I – O sistema monofásico constitui técnica de incidência única da tributação, com alíquota mais gravosa, desonerando-se as demais fases da cadeia produtiva. Na monofasia, o contribuinte é único e o tributo recolhido, ainda que as operações subsequentes não se consumem, não será devolvido.

II – O benefício fiscal consistente em permitir a manutenção de créditos de PIS e COFINS, ainda que as vendas e revendas realizadas pela empresa não tenham sido oneradas pela incidência dessas contribuições no sistema monofásico, é extensível às pessoas jurídicas não vinculadas ao REPORTO, regime tributário diferenciado para incentivar a modernização e ampliação da estrutura portuária nacional, por expressa determinação legal (art. 17 da Lei n. 11.033/04).

III – O fato de os demais elos da cadeia produtiva estarem desobrigados do recolhimento, à exceção do produtor ou importador responsáveis pelo recolhimento do tributo a uma alíquota maior, não é óbice para que os contribuintes mantenham os créditos de todas as aquisições por eles efetuadas.

IV – Agravo Regimental provido.

 

Portanto, a Primeira Turma deu respaldo para os contribuintes integrantes das demais etapas da cadeia do regime monofásico, de modo que, ainda que não obrigados ao recolhimento das contribuições, pudessem auferir os créditos correspondentes ao regime não cumulativo, compensando com débitos de outras operações tributadas.

Contudo, em 27 de abril de 2022, a 1ª Seção do STJ manifestou posição diametralmente oposta[4], prevalecendo a posição do Ministro Mauro Campbell Marques, no sentido de que o direito ao crédito conferido pelo artigo 17 da Lei nº Lei 11.033/2004 aplica-se exclusivamente aos participantes do Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto), não sendo extensivo aos demais contribuintes, incluindo aquelas etapas da cadeia desoneradas em razão da monofasia. Confira a ementa do REsp 1.894.741/RS:

 

TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS NÃO CUMULATIVOS. TRIBUTAÇÃO MONOFÁSICA. DIREITO AO CREDITAMENTO POR COMERCIANTES SUJEITOS À ALÍQUOTA ZERO. ART. 3º, § 2º, DAS LEIS Nº 10.637/02 E 10.833/03.

No regime não cumulativo da COFINS e da contribuição ao PIS/PASEP, a possibilidade de creditamento não alcança a pessoa jurídica que, no sistema de incidência monofásica, não está sujeita ao pagamento das contribuições em apreço, por comercializar produtos submetidos à alíquota zero na saída. Em tal situação, inexiste o pressuposto fático necessário para a adoção da técnica do creditamento, qual seja, incidências múltiplas das exações ao longo da cadeia econômica, bem como há expressa vedação legal.

Relativamente à possibilidade de creditamento prevista no art. 17 da Lei nº 11.033/2004, segundo o qual “as vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações”, há que se ressaltar ser tal legislação aplicável especificamente aos beneficiários do REPORTO (Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária), situação na qual, consoante se infere dos autos, a apelante não se enquadra.

 

A despeito de outros argumentos[5], o voto do Eminente Ministro baseou-se no entendimento do STF – Supremo Tribunal Federal manifestado em outros casos envolvendo a discussão sobre o alcance da não cumulatividade, que não seria irrestrita, não garantindo créditos em operações não tributadas, exceto quando a lei expressamente assim admitir. Citou, por exemplo, o RE n. 398.365 RG / RS onde foi definida a seguinte Tese para o tema 844:

 

“O princípio da não cumulatividade não assegura direito de crédito presumido de IPI para o contribuinte adquirente de insumos não tributados, isentos ou sujeitos à alíquota zero”.

 

No que diz respeito ao artigo 17 da Lei nº 11.033/2004, entendeu o Ministro que se trata de lei especial, que não revogou as previsões expressas vedando créditos contidas nos artigos 3º, I, “b”, da Lei n. 10.637/2002 e 3º, I, “b”, da Lei n. 10.833/2003. Nesse sentido, afirmou:

 

“Desta maneira, resta evidente que o art. 17, da Lei n. 11.033/2004, não poderia revogar as vedações contidas nos arts. 3º, I, “a” e “b” e §2º, II, das Leis ns. 10.637/2002 e 10.833/2003, simplesmente porque trata de matéria distinta. Ou seja, o critério da especialidade mantém em vigor as vedações ao creditamento”.

 

Em razão do voto, que prevaleceu por maioria, foram fixadas 05 teses a seguir indicadas:

 

  1. É vedada a constituição de créditos da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins sobre os componentes do custo de aquisição de bens sujeitos à tributação monofásica;
  2. O benefício instituído pelo artigo 17 da Lei 11.033 de 2004 não se restringe somente às empresas que se encontram inseridas no regime específico de tributação denominado Reporto;
  3. O artigo 17 da Lei 11.033 de 2004 diz respeito apenas à manutenção de créditos cuja constituição não foi vedada pela legislação em vigor. Portanto, não permite a constituição de créditos da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins sobre o custo de aquisição – artigo 13 do Decreto Lei 1.598/1977 – de bens sujeitos à tributação monofásica, já que vedada pelos artigos 3º, inciso I, alínea “b”, da Lei 10.637 de 2002 e da Lei 10.833 de 2003;
  4. Apesar de não constituir créditos, a incidência monofásica da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins não é incompatível com a técnica do creditamento, visto que se prende aos bens, e não a uma pessoa jurídica que os comercializa, que pode adquirir e revender conjuntamente estes bens sujeitos à não cumulatividade e à incidência plurifásica, os quais podem lhe gerar sim créditos;
  5. O artigo 17 da Lei 11.033 de 2004 apenas autoriza que os créditos gerados na aquisição de bens sujeitos à não cumulatividade, incidência plurifásica, não sejam estornados, sejam mantidos, portanto, quando as respectivas vendas forem efetuadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, não autorizando a constituição de créditos sobre o custo de aquisição – artigo 13 do Decreto Lei 1.598/1977 – de bens sujeitos à tributação monofásica.

 

É importante esclarecer, contudo, o alcance da referida decisão. Ela não impede que o contribuinte sujeito à incidência não cumulativa aproveite créditos na forma prevista no artigo 3º das Leis nº 10.637 de 2002 e nº 10.833 de 2003. Atentem-se para o item 04 acima onde o STJ teve o cuidado de deixar claro que a vedação se refere à aquisição de bens sujeitos ao regime monofásico, não abrangendo outras fontes de créditos, incluindo a aquisição de bens sujeitos à incidência plurifásica, cujo creditamento permanece autorizado.

 

Assim, suponha que o contribuinte adquira o produto “A”, sujeito à tributação monofásica, e o produto “B”, no sistema plurifásico. Embora não tenha direito aos créditos relacionados à aquisição do produto “A”, permanece com o direito ao crédito referente ao produto “B”, além dos demais permitidos em lei, como, por exemplo, das despesas de energia elétrica do estabelecimento.

 

Essa é só mais uma das controvérsias envolvendo o sistema não cumulativo do PIS/COFINS. Novamente: urge uma reforma tributária abrangendo as contribuições, para que os contribuintes tenham um mínimo de segurança jurídica.

 

Sonhar não custa nada!

 

Forte abraço!

 

Professor Fabio Silva

https://linktr.ee/Prof.Fabio

 

[1] Não se pode descartar, a par das discussões envolvendo justiça fiscal, que o regime monofásico também pode ser apreciado pelos pequenos varejistas que ficam “livres” das obrigações tributárias relacionadas as contribuições

[2] Para informações mais completas sugerimos a consulta ao link: Tabela 4.3.10 – Tabela Produtos Sujeitos à Alíquotas Diferenciadas: Incidência Monofásica e por Pauta (Bebidas Frias) (CST 02 e 04). Versão 1.21 – Atualizada em 09/12/2021 (rfb.gov.br)

[3] Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1507082&num_registro=200800896473&data=20170427&formato=PDF

[4] REsp 1.894.741/RS e REsp 1.895.255/RS)

[5] Sugerimos fortemente a leitura do voto. Dentre outros motivos destacamos o fato de o Ministro ter trazido exemplos de cálculo das contribuições em uma cadeia monofásica, algo que apreciamos bastante pelo valor didático. Lado outro, lamentamos o uso de argumentos extrajurídicos, como, por exemplo, a suposta supressão de arrecadação destinada Sistema Único de Saúde – SUS. Não se ignora a importância da arrecadação, mas isso não pode servir de argumento para a manutenção de eventual cobrança tributária ilegítima, se esse for o caso.