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Algumas considerações sobre o reembolso de despesas e a incidência do PIS e da COFINS

A notícia de que o CARF concluiu que os valores recebidos a título de reembolso de despesas são passíveis de inclusão na base de cálculo do PIS e da COFINS tem gerado muitas controvérsias e debates nas últimas semanas. Não estamos diante de um tema simples, e qualquer conclusão pode ser objeto de críticas, notadamente em razão da natureza subjetiva que envolve alguns gastos que os escritórios arcam e que são difíceis de atribuir como despesa própria ou dos clientes.

 

No direito há casos fáceis, onde temos clareza nas definições, e casos difíceis, que se encontram numa zona de penumbra. Eu costumo mencionar a seguinte alegoria: imagine estar em uma sala escura e ligar uma potente lanterna e apontá-la para a parede. Se eu lhe perguntar onde está claro, certamente saberá apontar (o centro da luz da lanterna). Ainda, se eu lhe perguntar onde está escuro, igualmente saberá apontar (local distante do centro da luz da lanterna). Agora se eu lhe indicar uma zona de penumbra, você terá muita dificuldade de concluir se está claro ou escuro, e é nessa área que as controvérsias se concentram.

 

Por exemplo: é fácil apontar que a despesa que um escritório de advocacia arca com as custas judiciais do processo de um cliente não lhe pertence, tratando-se de verdadeiro reembolso de despesas de terceiro e, portanto, não compondo sua receita para fins tributários. Igualmente é fácil concluir que o aluguel da sede do escritório é despesa própria do prestador de serviços, de modo que o pedido de reembolso desse gasto, independente do que constar no contrato entre as partes, enquadra-se como receita do escritório.

 

Esses são os casos fáceis. Porém, a vida não é um passeio de final de semana no parque. É na zona de penumbras que se concentram as controvérsias. Suponha, por exemplo, que o advogado tenha que pegar um Uber para ir até o Fórum despachar uma petição do cliente junto ao MM. Juiz: trata-se de uma despesa própria do escritório ou um reembolso de despesas a ser excluído da base de incidência tributária?

 

Alguns podem dizer que essa despesa é inerente à prestação de serviços e, portanto, não é uma despesa do cliente que, porventura, o escritório arcou e, oportunamente, solicita o reembolso. Em outras palavras, seriam gastos normais e necessários para o desenvolvimento da atividade jurídica, tal qual o aluguel de sua sede. Outros podem sustentar o contrário, no sentido de que tais gastos somente existem em razão da necessidade específica do cliente e, portanto, a ele devem ser atribuídos, mediante o reembolso ao escritório.

 

Pois bem! Recentemente o CARF julgou um caso em que concluiu que o reembolso de despesas deve ser incluído na base de cálculo do PIS e da Cofins[1]. Como mencionamos inicialmente, isso tem gerado muitas controvérsias e seria interessante que pudéssemos traçar ao menos alguns parâmetros que oferecessem um mínimo de clareza para a discussão.

 

Em primeiro lugar, é importante destacar que o acórdão prolatado pela 3ª turma da Câmara Superior do Tribunal ainda não está disponível. É possível, entretanto, algumas conclusões da análise do Acórdão referente ao Recurso Voluntário. Nesse sentido, consta que, no caso concreto, o contribuinte teria lançado os valores a crédito na conta de receita, o que parece ter influenciado a decisão dos julgadores. Além disso, há menção da falta de clareza em relação à titularidade dessas despesas.

 

Embora esses detalhes não sejam suficientes para tomarmos posições definitivas, mormente considerando que o acórdão da Câmara Superior ainda não estar disponível, já é possível indicar alguns pontos fulcrais na questão:

 

  1. Reembolsos de despesas não devem ser contabilizados como receita da empresa, caso realmente se refiram às despesas de titularidade do cliente. Consequentemente, o escritório, ao arcar com a despesa, deve debitar uma conta no ativo que represente o direito ao reembolso, bem como creditar o caixa. Posteriormente, ao receber o reembolso, deve debitar o caixa e creditar a conta de ativo mencionada. Não deve haver trânsito em contas de resultado;

 

  1. O contrato deve ser claro a respeito da titularidade de tais despesas. Em outras palavras, o critério relacionado ao reembolso deve ser detalhado, não dando margem para dúvidas sobre de quem é o risco que envolve aquele gasto.

 

Para exemplificar esse ponto 2, vamos imaginar um escritório contratado para atuar na defesa dos interesses de seu cliente em um processo que trâmite perante o Supremo Tribunal Federal. Suponha que o contrato preveja que os advogados deverão se dirigir à Brasília quantas vezes forem necessárias para a atuação processual, incluindo viagens para despachar memoriais e sustentação oral na sessão de julgamento. Imagine, agora, que em viagem à Brasília para realização da sustentação oral, a sessão seja adiada e, portanto, isso gere a necessidade de outra ida ao local, de modo que o escritório incorra em novas despesas referentes à aquisição de outra passagem aérea.

 

Nesse caso, se o contrato estabelece claramente que compete ao cliente arcar com essas despesas, ou seja, o risco dos adiamentos pertence ao cliente e não ao advogado, nos parece difícil admitir que estamos diante de uma receita do escritório, considerando a correta contabilização mencionada no item 1.

 

Sobre a importância das disposições contratuais convém mencionar que o tema foi objeto de discussão na Mesa de Debates de Estudos e Casos de Direito Tributário do IBDT nº 1681ª[2], oportunidade em que o Professor Bruno Fajersztajn enfatizou que esse ponto, junto com a questão contábil, são os pilares que fundamentam a distinção entre reembolso e receita.

 

Importante destacar, ademais, a existência de dois precedentes julgados pelo Superior Tribunal de Justiça envolvendo essa temática. No Recurso Especial nº 618.772/RS[3] de Relatoria do Ministro Francisco Falcão constou a seguinte ementa:

 

TRIBUTÁRIO. ISS. BASE DE CÁLCULO. PREÇO DO SERVIÇO. DESPESAS REFERENTES A VALORES QUE SERÃO REPASSADOS A TERCEIRO E POSTERIORMENTE REEMBOLSADOS. NÃO INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO. I – A base de cálculo do ISS é o preço do serviço, não sendo possível incluir nesse valor importâncias que não serão revertidas para o prestador, mas simplesmente repassadas a terceiros, mediante posterior reembolso. Precedentes: REsp nº 411.580/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 16/12/02 e REsp nº 224.813/SP, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 28/02/00. II – Recurso especial improvido.”

 

O caso envolvia justamente o reembolso com alimentação ou despesas de viagens e no acórdão do Tribunal “a quo” consta o entendimento que prevaleceu perante o STJ:

 

“No caso de despesas com alimentação ou despesas de viagens, propriamente são serviços prestados por terceiros e repassados à contratante. Se é bem verdade que estas despesas podem ser confundidas com o custo da prestação do serviço, integrando assim, a receita bruta, o fato é que em havendo o reembolso pelo contratante, estas despesas não fazem parte do serviço prestado pelo contribuinte ou de seu custo. Portanto, não fazem parte do preço do serviço, base de cálculo do imposto em tela”

 

O segundo caso refere-se ao Recurso Especial nº 788.594/MG[4] de relatoria do então Ministro do STJ, Luiz Fux, cuja ementa segue abaixo:

 

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA. BASE DE CÁLCULO. REEMBOLSO DE DESPESAS DE VIAGEM, ALIMENTAÇÃO E ESTADA DE EMPREGADOS QUANDO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EM OUTRA LOCALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DO ISSQN. 1. A base de cálculo do ISS é o preço do serviço, consoante disposto no art. 9°, caput, do Decreto-Lei no 406/68. 2. Destarte, os preços do serviço é a contraprestação que o tomador ou usuário do serviço deve pagar diretamente ao prestador, vale dizer, o valor a que o prestador faz jus, pelos serviços que presta. 3. Consectariamente, as despesas realizadas com viagens, alimentação e estada de funcionários, para prestação do serviço em localidade diversa do estabelecimento do prestador, ostentam natureza indenizatória em virtude do repasse ao contratante para posterior reembolso, não integrando a remuneração pelo serviço prestado, porquanto não realizadas em favor de quem as efetuou. 4. É cediço na jurisprudência da Corte que somente os gastos com a própria atividade são objeto de tributação pelo ISS, não podendo ser deduzidos para a apuração do resultado, sob pena de o preço do serviço deixar de ser a receita bruta a ele correspondente. 5. Outrossim, não podem ser considerados como referidos valores os recebidos de outrem para adimplir obrigações (não do prestador) de terceiro, cujo negócio é por aquele administrado, sob pena de não se distinguir o conceito de despesa com o de custo da prestação do serviço, e de valores pertencentes a terceiros. 6. Precedentes: REsp 411580/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 08/10/2002; REsp 618772/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 19/12/2005; REsp 224813/SP, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ 07/12/1999. 7. Recurso especial desprovido.”

 

É bem verdade que ambos os casos são antigos e envolvem a base de cálculo do ISS e não do PIS e da Cofins. Entretanto, nos parece que a questão discutida é sobre o conceito de receita e, portanto, não deve haver divergências para efeito de incidência do imposto municipal e para as contribuições federais. Tratam-se, consequentemente, de importantes precedentes a serem considerados nessa discussão.

 

Enfim, esse debate ainda está longe de ser encerrado, mas, das informações que possuímos até aqui é possível começar a traçar alguns critérios que ofereçam maior segurança jurídica aos contribuintes.

 

Forte abraço!

 

Professor Fabio Silva

linktr.ee/Prof.Fabio

 

[1] 19515.003320/2005-62

[2] Sim: mil, seiscentos e oitenta e uma mesas de debates. Viva o IBDT!

[3] STJ – Consulta Processual

[4] https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=200501719417&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea