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Controvérsias Relativas à Base de Cálculo dos Tributos sobre o Patrimônio (IPTU, ITBI, ITCMD e IPVA)

Ao contrário do que muitos podem pensar, os tributos incidentes sobre o patrimônio são objeto de inúmeros debates e controvérsias na doutrina e na jurisprudência nacional. A definição e fixação da base de cálculo, os limites da imunidade tributária, o momento da ocorrência do fato gerador e outros temas costumam ser alvo de questionamentos por parte tanto dos contribuintes quanto dos próprios Fiscos Estaduais e Municipais, dada a multiplicidade de legislações a respeito tema.

 

Assim, frequentemente os Tribunais Superiores ficam encarregados de dirimir tais conflitos e determinar a correta interpretação da legislação constitucional e complementar, de modo a uniformizar o tratamento tributário em escala nacional e garantir maior segurança jurídica a todos os envolvidos.

 

Dentre tais tributos, hoje abordaremos alguns aspectos fundamentais, em especial no que tange à sua base de cálculo, sobre o ITBI (Imposto inter vivos sobre a Transmissão onerosa de Bens Imóveis), o ITCMD (Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação), o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e o IPVA (Imposto de Propriedade de Veículo Automotor).

 

Preliminarmente, vale rememorar que o ITBI figura como imposto incidente sobre operações onerosas de transferência de bens imóveis e seus direitos, tendo como base de cálculo o valor venal do bem transacionado. Referido imposto encontra lastro no art. 156, II da Constituição Federal e art. 35 do Código Tributário Nacional, sendo devido ao Município em esteja localizado o bem transmitido.

 

Embora a legislação de regência aparente atribuir certa simplicidade aos contornos do imposto, a definição de sua base de cálculo gera intenso debate, principalmente pela possível subjetividade do “valor venal” a ser considerado. Muitos municípios, ao fiscalizarem operações de transferência de bens imóveis, acabam por entender que o valor declarado pelo contribuinte não seria o valor correspondente ao praticado no mercado em condições normais. Assim, em muitos casos, o Fisco Municipal tende a criar valores referenciais para imputar valor diverso à venda do imóvel para fins de exigência do ITBI.

 

Ocorre que, não bastasse isso, também há controvérsia quanto a utilização do valor venal para fins de IPTU na utilização da base de cálculo do ITBI, uma vez que o imposto predial também adota o “valor venal” do bem imóvel na sua apuração, conforme art. 33 do CTN. Assim, é recorrente o pleito judicial dos contribuintes pela utilização do valor atribuído ao IPTU para fins de cálculo do ITBI, tendo em vista que o aquele costuma ser muito menor que os valores referencial criados pelas Fazendas Municipais.

 

Visando sanar tal contenda, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp nº 1.937.821/SP, sob a sistemática dos Recursos Repetitivos (Tema 1.113), fixou, em 22/02/2022, a seguinte tese:

 

  1. a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;
  2. o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN); e
  3. o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.

 

Sendo assim, a Corte entendeu pela incompatibilidade do valor venal do imóvel para fins de IPTU na apuração da base de cálculo do ITBI, afirmando que, muito embora o CTN defina que ambos os impostos utilizarão o valor venal em sua base de cálculo, “a apuração desse elemento quantitativo faz-se de formas diversas, notadamente em razão da distinção existente entre os fatos geradores e a modalidade de lançamento desses impostos”. Ainda, para o STJ, o ITBI é imposto com lançamento por declaração ou homologação, de modo que, não cabe ao Município afastar arbitrariamente o valor atribuído pelo contribuinte de boa-fé, exceto na hipótese contida no art. 148 do CTN, aplicável no âmbito de processo administrativo próprio. O citado artigo determina que:

 

Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.

 

Logo, por determinação da Corte Superior, o arbitramento de valor diverso pela Municipalidade somente poderá ocorrer quando da constatação de que o valor utilizado pelo contribuinte divirja dos parâmetros utilizados em condições normais de mercado ou não apresente peculiaridades que o justifiquem, resultado este que deve ser apurado mediante a instauração de processo administrativo próprio que proporcione ampla defesa e contraditório ao contribuinte para comprovar a base por ele utilizada (seja por meio de contratos, laudos ou quaisquer outros documentos que atestem as alegadas particularidades).

 

No mais, o Supremo Tribunal Federal teve a incumbência de sanar outras controvérsias relacionadas ao ITBI. A primeira foi quanto ao momento da ocorrência do fato gerador, em que se analisou a partir de quando seria exigível o imposto: se a partir da assinatura do contrato de compra e venda ou se apenas quando da efetiva transferência do imóvel mediante seu registro imobiliário em cartório. Conforme já abordado em coluna própria do blog, o STF, quando do julgamento do ARE nº 1.294.969/SP (Tema 1.124 da Repercussão Geral) reafirmou a sua jurisprudência no sentido de que apenas o registro da transferência imobiliária, em cartório, tem o condão de atrair a tributação do ITBI, uma vez que o fato gerador do imposto é a efetiva transferência do bem, e não a celebração de acordo contratual sem efeitos patrimoniais.

 

Em outra oportunidade, quando do julgamento do RE 796.376/SC (Tema 796 da Repercussão Geral), a Suprema Corte entendeu que a “imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”, sendo base de cálculo do ITBI somente a parcela excedente ao valor da integralização, conforme já tratado também em coluna a parte do blog.

 

No que tange o ITCMD, valido ressaltar que não é incomum a prática, pelos Fiscos Estaduais, de utilização dos valores de referência do ITBI, estipulados pelas prefeituras, quando da apuração da base de cálculo do imposto em questão. Tal equiparação se fundaria na alegada correspondência entre as bases de cálculos de ambos os impostos, qual seja, o valor venal do bem transmitido.

 

Nesta toada, interessante mencionar a legislação do Estado de São Paulo, que, por meio da Lei nº 10.705/2000, em seu art. 13, prevê que a base de cálculo do ITCMD não poderá ser inferior a base utilizada para fins de IPTU (quando a doação/sucessão envolvendo imóvel urbano) ou de ITR (quando a doação/sucessão envolvendo imóvel rural). Não obstante, foi editado o Decreto nº 55.002/2009, que, extrapolando sua competência normativa, inovou o regramento do ITCMD Paulista ao estabelecer que a base de cálculo do imposto poderá utilizar o valor referencial para fins de ITBI em sua apuração (nos casos de doação/sucessão envolvendo imóvel urbano), bem como poderá se valer dos valores de terras fixados pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (nos casos de doação/sucessão envolvendo imóvel rural).

 

À vista disso, percebe-se nítida confusão e entrelaçamento entre ITCMD, ITBI, IPTU e mesmo ITR. Em que pese o julgado do STJ quanto a diferenciação das bases de cálculo do ITBI e do IPTU, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem sido no sentido de autorizar a tributação do ITCMD com base do valor venal atribuído ao IPTU, tendo em vista que a própria lei estadual que institui o imposto conferiria tal possibilidade, ao passo que o decreto supramencionado extrapolaria sua função regulamentadora, alargando a base de cálculo do ITCMD sem amparo legal estrito.

 

Além disso, proveitoso mencionar que tal imbróglio chegou ao Superior Tribunal de Justiça, por meio do REsp nº 1.728.308/SP, tendo sido proferida decisão monocrática pelo Min. Herman Benjamin, no sentido de que a matéria ali posta seria eminentemente de direito local, cabendo ao TJSP a interpretação final da legislação envolvendo o ITCMD. Logo, para fins de apuração da base de cálculo do ITCMD, ao contrário do ITBI, faz-se possível a utilização do valor venal do IPTU publicado pelas prefeituras.

 

No que concerne ao IPTU, muito embora já pacificado pelas Cortes Superiores (Súmula 160/STJ), insta salientar que não é possível a majoração da base de cálculo do imposto, por meio decreto, no qual a prefeitura visa atualizar o valor dos imóveis em patamar superior aos índices inflacionários anuais de correção monetária oficiais. Ou seja, é defeso atualização, pelos Entes Municipais, do valor dos imóveis para fins de IPTU, em valor que supere os índices inflacionários anuais de atualização monetária, via decreto, por afronta ao princípio da estrita legalidade (art. 150, I da CF88). Assim, a base de cálculo do imposto deve ser a do valor venal do imóvel, tendo por base o apurado pelo Município nas plantas genéricas de avaliação imobiliária, cuja instituição deve se dar por lei, cabendo somente a sua atualização via decreto, desde que não ultrapassados os índices de correção monetária.

 

Entretanto, consta pendente de apreciação perante o STF, a possibilidade de delegação de competência, por meio lei, à esfera administrativa para avaliação individualizada de imóvel não previsto na Planta Genérica de Valores (PGV) à época do lançamento do IPTU. A discussão chegou à Corte Suprema por meio do ARE nº 1.245.097/SC, tendo sido reconhecida a Repercussão Geral da matéria (Tema 1.084).

 

Por fim, quanto ao IPVA não há grandes controvérsias envolvendo a fixação de sua base de cálculo. Sua previsão encontra respaldo no art. 155, III da CF/88, cabendo a cada Estado e ao Distrito Federal a legislação suplementar para estabelecer normas gerais para a instituição do imposto, tendo em vista a ausência de Lei Complementar Nacional nesse sentido, bem como em face do disposto no art. 24, §§ 2º e 3º da Constituição Federal. Assim, em geral, os Estados estabelecem que a base de cálculo é o valor venal do veículo, assim entendido, para veículos novos, o valor constante do documento fiscal de aquisição do veículo pelo consumidor e, para veículos usados, o preço médio de mercado do ano imediatamente anterior. Em São Paulo, usa-se o preço médio verificado no mês de setembro do ano anterior.

 

Percebe-se, portanto, que a tributação do patrimônio, tanto incidente sobre sua transmissão quanto sobre a propriedade, encontra-se envolta em constante e intenso debate jurisprudencial, em que muitas vezes se aproveita a ratio decidendi adotada na resolução de controvérsia relacionada a um imposto, na solução de outro caso envolvendo imposto diverso, dada a similitude das bases de cálculo legais.

 

Para sintetizar, confira a seguir tabela que resume a competência, o fato gerador, o momento da incidência e a base de cálculo dos quatro tributos que discutimos:

 

Forte abraço!

 

Professor Fabio Silva

https://linktr.ee/Prof.Fabio

 

Kauê Guimarães Castro e Sousa