O ITBI – Imposto de Transmissão de Bens Imobiliários é um tributo de competência municipal, previsto no inciso II do artigo 156 da Constituição Federal e que incide sobre transmissão onerosa de bens imóveis por ato “inter vivos”.
Uma das hipóteses de incidência do ITBI refere-se ao ato de integralização de capital, onde uma pessoa, física ou jurídica, transfere bens de sua propriedade para o patrimônio da empresa, de forma a realizar o capital social subscrito, recebendo quotas ou ações em troca.
Ocorre que o inciso I, do parágrafo 2º do artigo 156 da Constituição Federal contém a seguinte disposição:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;
Como se nota, trata-se de uma imunidade, hipótese constitucional de não incidência do tributo nas situações ali delimitadas, parecendo estabelecer que não há incidência do ITBI quando realizado o ato de integralização de bens imóveis, exceto se a atividade preponderante da empresa adquirente envolver atividades de natureza imobiliária.
Note, contudo, a sutileza da colocação acima, no uso da expressão “parecendo”. Obviamente a ideia é provocar a reflexão acerca da correta interpretação da imunidade constitucional, especialmente em razão do julgamento do Tema 796 pelo STF – Supremo Tribunal Federal, que firmou a seguinte tese:
“A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.”
A tese firmada é bastante polêmica, na medida em que, em uma leitura isolada, percebemos uma restrição à imunidade. Imagine, por exemplo, a hipótese da integralização realizada com um bem imóvel registrado no imposto de renda do contribuinte por R$ 1.000.000,00, muito embora seu valor venal seja de R$ 1.600.000,00. Segundo consta do texto da tese firmada, caso o contribuinte realize a operação pelo valor de R$ 1.000.000,00 – o que lhe é autorizado pela legislação do imposto de renda (artigo 23 da Lei nº 9.249/1995), teria que pagar ITBI sobre o valor excedente, nesse caso, R$ 600.000,00.
A decisão está sujeita a críticas, numa primeira vista, porque o texto constitucional não traz expressamente qualquer restrição de natureza financeira, permitindo interpretações no sentido de que o legislador constitucional desejou incentivar a mobilidade de capital e o empreendedorismo, permitindo a integralização de bens sem a incidência tributária.
Porém, outro ponto que chama a atenção é que a tese firmada contradiz, em certa medida, com o caso concreto julgado. Isso porque a controvérsia ali posta envolvia empresa que realizou o ato por um valor superior ao capital social, registrando o excesso em reserva de capital. Voltamos ao exemplo acima: é como se a empresa realizasse o ato por R$ 1.600.000,00, sendo R$ 1.000.000,00 como realização de capital e R$ 600.000,00 registrado em reserva de capital. Notem que se tratam de casos distintos, na medida em que no primeiro o ato foi valorado em R$ 1.000.000,00 ao passo que o segundo em R$ 1.600.000,00, o que, em tese, reforçaria a interpretação dada pelo STF, limitando o alcance da imunidade.
Infelizmente, a redação da tese não faz qualquer ressalva nesse sentido, o que tem incentivado as Prefeituras municipais a cobraram a diferença do ITBI nas hipóteses em que o capital social integralizado é menor que o valor venal ou de referência do bem, o que tem multiplicado o contencioso na esfera municipal.
Há outro detalhe que chama muita atenção nesse julgamento, especialmente referente ao voto do Ministro Alexandre de Moraes. Segundo o Ministro, em relação a restrição da imunidade nos casos em que se constata a preponderância das atividades de natureza imobiliária, ela somente se aplicaria nas hipóteses de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoas jurídica.
Para que não restem dúvidas, segundo o Ministro, essa é a leitura correta do texto constitucional:
I – Não incide sobre:
a) transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital,
b) transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;
Uma leitura atenta do texto constitucional, realmente, nos leva a concluir que a interpretação proposta pelo Ministro tem fundamento e representaria um alargamento nas hipóteses de imunidade, haja vista que, até então, o entendimento predominante é no sentido de que, em qualquer hipótese – não apenas nas operações de restruturações societárias – na constatação da atividade preponderante envolvendo atividades imobiliárias não se aplica a imunidade.
Caso, entretanto, prevaleça a interpretação proposta pelo Ministro, a restrição se aplicaria exclusivamente aos casos de restruturação societária, o que permitiria a integralização de bem imóveis nas demais situações, sem a incidência do ITBI, ainda que a atividade preponderante da empresa envolva atividades imobiliárias, o que beneficiária diversos contribuintes.
A má notícia é que essa interpretação constou apenas no voto do Ministro Alexandre de Moraes, não sendo debatida pelos demais pares do STF, de modo que não tem qualquer efeito vinculante ou de repercussão geral, muito embora tenha incentivado diversos contribuintes a ingressarem com ações judiciais visando o reconhecimento da imunidade, havendo diversas decisões favoráveis encampando a tese.
Portanto, como podemos concluir, a decisão do STF sobre a imunidade do ITBI nos trouxe mais dúvidas do que certezas. Afinal, embora o texto da tese indique um sentido, o caso concreto envolvia uma discussão aparentemente diversa, o que vem provocando mais contencioso fiscal, ao invés de garantir mais segurança jurídica aos contribuintes.
Como eu costumo dizer: profissionais da área tributária não morrem de tédio!
Forte Abraço!
Professor Fabio Silva