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Afinal, PIS e COFINS são tributos extrafiscais?

Nas aulas de direito tributário realizadas na faculdade, certamente seu Professor dedicou uma aula para tratar das limitações constitucionais ao poder de tributar, contidas especialmente entre os artigos 150 a 152 da Constituição Federal.

 

Seguramente, no decorrer da aula, seu Professor também comentou sobre os princípios da anterioridade anual e da legalidade. Ao explicar que são princípios que têm por objetivo garantir a segurança jurídica do contribuinte, de modo que este não seja surpreendido pelo aumento ou instituição de tributos de forma açodada, bem como garantir que sejam submetidos ao crivo do Poder Legislativo, integrado por representantes eleitos pelo povo, seu Professor mencionou que o princípio da anterioridade anual e da legalidade estrita é inaplicável e mitigado, respectivamente, em alguns casos, exemplificando: IPI, IOF, II, IE[1].

 

Seguindo adivinhando o que seu Professor lhe ensinou, este também o alertou que tais exceções se justificam em razão do caráter extrafiscal dos tributos mencionados. Em suma, todo o tributo tem uma função arrecadatória, mas, esses em particular se destacam por possuírem uma preponderância extrafiscal, sendo utilizados como instrumento de política fiscal e econômica.

 

Aqui, talvez, seja importante nossa primeira ressalva. Ao nosso ver, todo tributo tem características fiscais e extrafiscais e pode ser utilizado como instrumento de política fiscal e econômica. Atente-se que não estamos defendendo o uso do tributo com esse efeito regulatório da economia, pois isso é debate que merece reflexões mais profundas e de mentes mais capazes, mas apenas que todos os tributos, em alguma medida, guardam ambas as características.

 

Portanto, não se trata de dividir os tributos em fiscais e extrafiscais, o que seria um equívoco primoroso. Trata-se, na verdade, de reconhecer que alguns tributos são mais adequados para manejo como instrumento interventor na economia, dada suas características inerentes. Exemplificando: suponha uma grave crise econômica que resulte na quebra de diversas empresas industriais no Brasil. A União resolve, como contramedida, aumentar a alíquota de II sobre alguns produtos industrializados importados, de forma a proteger a indústria nacional.

 

Notem que, concordando ou não com a medida, fato é que ela tem o potencial de surtir efeito no curto prazo, o que, efetivamente, era o desejo do Governo, e que torna evidente a necessidade de excepcioná-la da aplicação dos princípios da anterioridade e da legalidade, que impediria esse efeito emergencial.

 

Mas, como dissemos, em certa medida todos os tributos possuem características fiscais e extrafiscais, motivo pelo qual nos parece que o legislador constitucional foi feliz ao prever expressamente quais os tributos que não se sujeitam ao princípio da legalidade estrita e da anterioridade anual.

 

Aparentemente, a previsão constitucional oferecia segurança jurídica suficiente aos contribuintes, mormente no que se refere ao princípio da legalidade, sendo bastante consolidado o entendimento de que a instituição ou aumento de tributos exigem previsão legal, excetuada nas hipóteses expressamente ressalvadas pela Constituição Federal.

 

Ocorre que o Decreto nº 8.426/2015 trouxe algumas dúvidas sobre esse debate ao estabelecer o quanto segue:

 

Art. 1º Ficam restabelecidas para 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento) e 4% (quatro por cento), respectivamente, as alíquotas da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS incidentes sobre receitas financeiras, inclusive decorrentes de operações realizadas para fins de hedge , auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não-cumulativa das referidas contribuições.

 

A gritaria foi geral. Os contribuintes e grande parte da doutrina tributária imediatamente alertaram que o Decreto era inconstitucional, visto que não atendia ao princípio da legalidade, sendo vedado pela CF o aumento de tributo por meio de Decreto do Poder Executivo. O Governo, de seu lado, sustentou que o § 2º do art. 27 da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, autorizou o Poder Executivo a reduzir e restabelecer as alíquotas do PIS e da COFINS, nos limites da lei. Confira:

 

Art. 27. O Poder Executivo poderá autorizar o desconto de crédito nos percentuais que estabelecer e para os fins referidos no art. 3º das Leis nº s 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, relativamente às despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos, inclusive pagos ou creditados a residentes ou domiciliados no exterior.

 

 

2º O Poder Executivo poderá, também, reduzir e restabelecer, até os percentuais de que tratam os incisos I e II do caput do art. 8º desta Lei, as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não-cumulatividade das referidas contribuições, nas hipóteses que fixar.

 

Apesar da literalidade da lei, a doutrina, talvez em uníssono, contra-argumentou afirmando que o Poder Legislativo não pode delegar suas atribuições ao Poder Executivo, ainda que de forma limitada, sendo que o aumento de tributos sem lei que assim estabeleça é restrito aos casos expressamente previstos na Constituição Federal. Iniciada a contenda, o caso foi parar no Supremo Tribunal Federal, por meio do Recurso Extraordinário (RE) 1.043.313, com repercussão geral reconhecida (Tema 939). Eis que, após muita expectativa, o Egrégio Tribunal prolatou o resultado:

 

É constitucional a flexibilização da legalidade tributária constante do § 2º do art. 27 da Lei nº 10.865/04, no que permitiu ao Poder Executivo, prevendo as condições e fixando os tetos, reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição ao PIS e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas por pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo, estando presente o desenvolvimento de função extrafiscal.

 

Vejam: segundo o STF, quando estivermos presente do desenvolvimento de função extrafiscal é constitucional a flexibilização da legalidade tributária, de modo que a delegação concedida pelo § 2º do art. 27 da Lei nº 10.865/04 não padece de qualquer vício, mantida a majoração do PIS e COFINS mediante decreto.

 

Eu teria muitas coisas para dizer sobre o tema, mas jamais seria capaz e tão preciso[2] quanto Luís Eduardo Schoueri, Diogo Olm Ferreira e Victor Lyra Guimarães Luz que publicaram um livro tratando da Legalidade Tributária e o Supremo Tribunal Federal, onde, entre outros, analisam referido julgamento. E o que é melhor, o livro está disponível para download[3] no site do IBDT de forma gratuita, representando grande contribuição[4] para o estudo do direito tributário no Brasil, sendo de leitura obrigatória para todos os profissionais e estudantes que se dedicam ao tema.

 

Quero apenas, para completude da reflexão que estou propondo nesse texto, alertar que a decisão do STF dá margem para novas delegações semelhantes envolvendo outros tributos. Afinal, como disse, todo tributo, em certa medida, possui características fiscais e extrafiscais, o que inclusive pode variar conforme o contexto. Assim, a partir dessa decisão é possível que nos deparemos com novas situações de flexibilização do princípio da legalidade, sem ser aquelas expressas na Constituição Federal. Afinal, o PIS e a COFINS podem ser aplicados em contextos em que esteja “presente o desenvolvimento de função extrafiscal”. Da mesma forma, isso pode ocorrer, a depender da ocasião, com o IR, ISS, ICMS…

 

Eu não sei quanto aos demais, mas sinto um pouco de medo quando penso no assunto!

 

Forte abraço!

 

Professor Fabio Silva

https://linktr.ee/Prof.Fabio

 

[1] Para mais detalhes conferir o artigo 150 e o artigo 153, especialmente seu § 1º, ambos da Constituição Federal

[2] Mesmo o óbvio é preciso ser dito

[3] http://ibdt.org.br/biblioteca/wp-content/uploads/2019/09/LivroLegalidadeTributaria.pdf

[4] Carregado de parcialidade afirmo: nenhuma Instituição oferece maior contribuição para o desenvolvimento do estudo do direito tributário que o IBDT. Convido-os ao site: https://ibdt.org.br/site/