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Entenda a polêmica envolvendo o DIFAL – Diferencial de Alíquotas do ICMS

Se tem algo que podemos garantir no Brasil é que os profissionais da área tributária e, consequentemente, os empresários que têm que lidar com o tema, não morrem de tédio. Entra ano e sai ano e sempre estamos discutindo propostas de reformas tributárias cujo objetivo é simplificar nosso sistema tributário, tido como um dos mais complexos do mundo.

Se por um lado as promessas de reforma nunca se concretizam, por outro, as polêmicas decorrentes da complexidade do sistema se renovam infinitamente. 2022 não é exceção e a controvérsias do momento é sobre o DIFAL, diferencial de alíquota de ICMS incidente nas operações interestaduais de circulação de mercadoria.

Para que o imbróglio seja perfeitamente compreendido é importante entendermos como chegamos até aqui. Até 2015, quando uma empresa realizava uma operação interestadual de venda de mercadorias destinada a consumidor final, ela aplicava a alíquota interna de ICMS do estado de origem, para quem era recolhido o montante do tributo.

Imagine, por exemplo, que uma empresa paulista vendesse uma geladeira para um consumidor localizado na Bahia. Nesse caso, tomando como premissa a alíquota interna de ICMS de 18%, o estabelecimento localizado em São Paulo aplicava esse percentual na operação e recolhia o montante devido para esse Estado.

Essa regra vigorou durante muitos anos e os Estados de destino (consumidores) não se incomodavam, pois, no passado, a maioria das pessoas, quando queria comprar uma geladeira, se dirigia a um distribuir local. Quando isso acontecia o ICMS (ao menos parte dele) era recolhido a favor do estado do consumidor.

Contudo, com a proliferação do e-commerce muitas pessoas deixaram de realizar compras em estabelecimentos físicos e passaram a adquirir mercadorias por meio da internet. Com isso, por exemplo, o consumidor localizado na Bahia passou a adquirir uma geladeira do estabelecimento localizado em São Paulo, e não mais do comerciante local, o que teve como consequência uma brutal queda de arrecadação dos estados consumidores em favor dos estados produtores, como é o caso de São Paulo que concentra boa parte da indústria nacional.

Pois bem! Em razão disso, em 2015 a Constituição foi modificada por meio da Emenda Constitucional n. 87, estabelecendo que nas operações interestaduais destinadas a consumidor final, o estabelecimento vendedor deve aplicar a alíquota interestadual, recolhendo parte do ICMS ao estado de origem, bem como aplicar o diferencial de alíquotas e recolher o DIFAL ao estado de destino.

Vamos voltar ao nosso exemplo da empresa paulista que vende uma geladeira para um consumidor localizado na Bahia. A partir da EC 87/2015 o estabelecimento paulista deve aplicar a alíquota de 7%, recolhendo o montante para o estado de São Paulo e, aplicar o diferencial de alíquota correspondente à diferença entre a alíquota interna do estado da Bahia e a alíquota interestadual, recolhendo o montante para esse estado. Assim, considerando uma alíquota interna na Bahia de 18%, o estabelecimento paulista deveria recolher o DIFAL correspondente a aplicação da alíquota de 11% para a Bahia.

É fácil notar que em razão dessa nova sistemática, introduzida por meio da EC 87/2015 o ICMS incidente sobre a operação passou a ser dividido entre estado produtor e estado consumidor, atendendo aos reclamos dos estados consumidores que se viram prejudicados em decorrência do vertiginoso aumento do comércio online.

Acontece que em 24 de fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o RE 1.287.019 e a ADIn 5.469, manifestando o entendimento de que a Emenda 87/2015 demanda lei complementar para disciplinar nacionalmente a cobrança do DIFAL na forma prevista acima. Com isso, o Egrégio Tribunal fixou a seguinte tese:

“A cobrança da diferença de alíquota alusiva ao ICMS, conforme introduzida pela EC 87/15, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais.”

O que isso significa: que enquanto não houver lei complementar disciplinando a matéria, os Estados não podem cobrar o diferencial de alíquota. O STF, contudo, modulou os efeitos da decisão para que seus efeitos tivessem início a partir de 01/01/2022. Em outras palavras, as empresas deveriam continuar recolhendo o DIFAL até final de 2021 e, a partir da vigência de lei complementar disciplinando o tema, permaneceriam recolhendo o tributo de 2022 em diante.

O problema é que estamos no Brasil e referida lei complementar somente foi sancionada pelo Presidente da República e publicada em 04 de janeiro de 2022, com a previsão de que sua vigência terá início após decorridos 90 dias de sua publicação, em outras palavras, a partir de 05 de abril de 2022. Seria assim, não fosse a previsão contida no artigo 150, III, “b” da Constituição Federal que assim estabelece:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III – cobrar tributos:

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

Trata-se, bem sabido, do princípio da anterioridade anual. Isto é: a Constituição Federal veda a cobrança de tributo no mesmo ano em que a lei que o instituiu ou aumentou tenha sido publicada, o que nos permite concluir que a cobrança do DIFAL somente pode ocorrer a partir de 01 de janeiro de 2023!

Os estados, como era de se esperar, estão fazendo ouvidos moucos para todo o debate a respeito da aplicação do princípio da anterioridade anual e, em sua maioria, estão prevendo o início da cobrança do DIFAL a partir de abril de 2022. Como consequência as empresas têm buscado o Poder Judiciário para garantir o direito de não recolherem a diferença do ICMS, em respeito ao princípio da anterioridade anual. Em matéria datada de 07 de fevereiro de 2022, o Jornal Valor Econômico[1] divulgou levantamento onde identificou 16 liminares prolatadas, sendo 12 favoráveis aos contribuintes, uma parcialmente favorável e 03 contrárias, o que sinaliza uma tendência de aderência do Poder Judiciário, ao menos em primeira instância, à tese acerca da aplicação do princípio da anterioridade anual.

Cabe, portanto, aos empresários avaliarem suas operações e a pertinência de consultarem advogados de sua confiança a fim de discutirem a cobrança do DIFAL, mormente considerando que as perspectivas de êxito são relevantes e que seus concorrentes, provavelmente, irão se opor a cobrança, o que pode criar uma desigualdade que prejudique a livre concorrência.

Realmente a tese não merece grandes debates jurídicos. Até o momento os juristas que se manifestaram sobre o tema o fizeram de forma uníssona a respeito da necessidade de aplicação do princípio da anterioridade anual ao caso em debate. É o que se espera para que não se esvaia de vez a crença de que o Princípio da Segurança Jurídica tem aplicação ao direito tributário brasileiro!

Por fim, para maiores detalhes sobre a controvérsia, preparei uma Apresenta sucinta com os principais pontos a serem destacados sobre o tema e que podem acessar pelo link a seguir: https://drive.google.com/file/d/1aBBftc1gOlTgUKl9SddKGAZyHZYUEnGt/view?usp=sharing

Forte abraço!

Professor Fabio Silva
https://linktr.ee/Prof.Fabio

[1] https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2022/02/07/liminares-em-cinco-estados-e-df-adiam-o-difal.ghtml