Os Juros sobre Capital Próprio (JCP) representam uma forma de remuneração dos sócios e acionistas de uma empresa de capital aberto, realizado quando da distribuição do lucro apurado e em decorrência da capitalização do valor aportado na companhia como forma de investimento.
A possibilidade de remuneração mediante JCP advém de um reflexo isonômico entre o investimento em capital próprio e de terceiros, ou seja, assim como nos casos de investimento no mercado financeiro há remuneração via juros, no aporte de valores para investimento direto na empresa também há, cada um com suas particularidades. No caso dos Juros sobre Capital Próprio, por imposição legal, a taxa utilizada para a remuneração é a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo).
Cumpre salientar que o JCP se difere dos dividendos, em que pese ambos representarem formas de remuneração dos sócios e acionistas em face do lucro da empresa. As diferenças entre tais proventos cinge quanto ao tratamento tributário aplicado pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Os dividendos são remunerações distribuídas aos investidores por empresas que auferem lucros. Assim, uma empresa pode distribuir dividendo mensais, semestrais ou anuais, em percentuais a serem definidos no seu contrato social/ estatuto social ou conforme deliberação de sócios/ acionistas. No que tange ao aspecto tributário o valor a ser distribuído é isento de tributação quando do recebimento pelo investidor/acionista, conforme determinação expressa contida no art. 9º da Lei nº 9.249/95, a seguir transcrito:
Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.
Parágrafo único. No caso de quotas ou ações distribuídas em decorrência de aumento de capital por incorporação de lucros apurados a partir do mês de janeiro de 1996, ou de reservas constituídas com esses lucros, o custo de aquisição será igual à parcela do lucro ou reserva capitalizado, que corresponder ao sócio ou acionista.
1o No caso de quotas ou ações distribuídas em decorrência de aumento de capital por incorporação de lucros apurados, a partir do mês de janeiro de 1996, ou de reservas constituídas com esses lucros, o custo de aquisição será igual à parcela do lucro ou reserva capitalizado, que corresponder ao sócio ou acionista.
2o A não incidência prevista no caput inclui os lucros ou dividendos pagos ou creditados a beneficiários de todas as espécies de ações previstas no art. 15 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, ainda que a ação seja classificada em conta de passivo ou que a remuneração seja classificada como despesa financeira na escrituração comercial.
3o Não são dedutíveis na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL os lucros ou dividendos pagos ou creditados a beneficiários de qualquer espécie de ação prevista no art. 15 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, ainda que classificados como despesa financeira na escrituração comercial.
No que se referem aos Juros sobre Capital Próprio, estes representam uma remuneração paga ao investidor em razão da disponibilização de capital em favor da empresa, o que é representado por seu patrimônio líquido. Em síntese, trata-se de remunerar o investidor pelo custo de oportunidade em razão de disponibilizar recursos que poderiam ser alocados em outra atividade. A grande vantagem do JCP refere-se ao fato de que os valores pagos podem ser contabilizados como despesa na apuração do lucro real, deduzindo-os da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL) e, portanto, reduzindo significativamente a carga tributária.
Para ilustrar, considerando que atualmente a alíquota de imposto de renda e da contribuição social, somadas, atingem 34%, a cada R$ 100.000,00 pagos pela empresa de JCP aos seus sócios representam uma economia tributária de R$ 34.000,00. Logo, o pagamento de JCP costuma ser uma medida vantajosa, ao passo que atrai investidores e reduz o custo tributário das empresas. Há, entretanto, uma diferença importante entre o JCP e os dividendos: a empresa deve reter na fonte o Imposto de Renda na alíquota de 15% quando do pagamento ao investidor/acionista. Essa retenção na fonte será tratada como tributação exclusiva caso o beneficiário seja um investidor pessoa física e antecipação do IRPJ nas hipóteses em que o investidor seja pessoa jurídica.
No que diz respeito a aludida dedução do JCP como despesa, faz-se necessária a observância no disposto no art. 9º da Lei nº 9.249/95. Veja-se:
“Art. 9º A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.
1º O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.
2º Os juros ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de quinze por cento, na data do pagamento ou crédito ao beneficiário”.
A partir do dispositivo supra, infere-se que certos requisitos devem ser preenchidos para que seja possível a dedutibilidade do pagamento do JCP, quais sejam: (i) o efetivo pagamento ou crédito dos juros aos titulares; (ii) a limitação do montante a ser pago ao resultado da aplicação da TJLP pro rata dia sobre o valor do patrimônio líquido; (iii) o limite para pagamento deve ser de 50% do lucro do exercício, antes de computada a despesa com os juros, ou de 50% dos lucros acumulados e reserva de lucros; e (iv) a retenção na fonte do imposto de renda, dos dois o maior.
Todavia, apesar dos benefícios oferecidos pelo pagamento de JCP, há substancial controvérsia quanto a possibilidade de a pessoa jurídica deduzir os valores de JCP relativos a exercício anterior ao da deliberação do pagamento, comumente chamados de JCP Retroativo. O pagamento do JCP retroativo ocorre quando a empresa opta, por exemplo, em não creditar tais valores aos investidores no ano de 2020, optando por fazê-lo apenas no ano de 2022.
Segundo a Receita Federal do Brasil, as despesas com JCP só podem ser tratadas como dedutíveis caso se refiram ao ano-calendário da deliberação sobre o pagamento dos juros, não admitindo que as despesas com juros de anos anteriores sejam deduzidas da base do IRPJ e CSLL, tendo em vista que a apuração se regra pelo regime de competência. Neste sentido, foi formulada a Solução de Consulta COSIT nº 329, na qual prevê expressamente a impossibilidade pela dedutibilidade das despesas de JCP Retroativo, com azo no art. 29 da IN SRF 11/96[1]:
“ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA – IRPJ
EMENTA: JUROS REMUNERATÓRIOS DO CAPITAL PRÓPRIO. DEDUTIBILIDADE. LIMITE TEMPORAL. REGIME DE COMPETÊNCIA. PATRIMÔNIO LÍQUIDO. EXERCÍCIOS ANTERIORES. IMPOSSIBILIDADE.
Para efeito de apuração do lucro real, é vedada a dedução de juros, a título de remuneração do capital próprio, que tome como base de referência contas do patrimônio líquido relativas a exercícios anteriores ao do seu efetivo reconhecimento como despesa, por desatender ao regime de competência”.
De outro lado, os contribuintes argumentam pela plena possibilidade de dedução do JCP Retroativo da base do IRPJ/CSLL, uma vez que o art. 9º da Lei nº 9.249/95 não impõe qualquer restrição temporal quanto ao direito de dedução, sendo esta, inclusive, faculdade concedida pela legislação. Ainda, não haveria que se falar em violação ao regime de competência, visto que o período de competência, para efeito da dedutibilidade do JCP, é aquele em que há a deliberação para seu pagamento ou crédito, e não a capitalização em períodos anteriores.
Neste impasse, em 3 de setembro de 2021, a 1ª Turma da Câmara Superior do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), órgão julgador máximo no âmbito da Receita Federal, ao julgar o Processo Administrativo nº 16327.001202/2009-72, decidiu pela possibilidade de dedução do JCP Retroativo.
O voto vencedor argumenta que o direito à dedução das despesas com o JCP se dá por expressa decorrência legal, não havendo na norma tributária qualquer aspecto temporal limitante que impeça que a dedução abarque os valores não pagos ou creditados em anos anteriores. Ainda, argumenta-se que as normas contábeis somente podem influenciar “diretamente no nascimento ou na constituição dos elementos das obrigações tributárias quando, assim, a Lei pertinente expressamente determinar”, e que nas hipóteses em que exista conflito entre regras e conceitos contábeis com normas e institutos jurídicos, para fins tributários, “sempre prevalecerá aquilo previsto na legislação competente que regulamenta a incidência e os elementos da espécie fiscal”.
Ademais, a Corte Administrativa também considerou que tais valores pagos ou creditados a título de JCP “são vinculados a instrumentos patrimoniais, remunerando tão somente o capital investido pelos titulares na pessoa jurídica, não havendo, nesse caso, em falar da necessidade de emparelhamento simétrico de receitas e despesas dentro do mesmo período competência, posto que tal rubrica dispendiosa para a entidade é totalmente desvinculada e não corresponde a qualquer percepção dinâmica de entradas – mas apenas, e diretamente, ao seu patrimônio, estático”.
Por fim, muito embora este precedente se mostre como um importante norteador no tratamento fiscal dos Juros sobre Capital Próprio, deve-se salientar que o cenário não se encontra complemente seguro para os contribuintes, frente a possível extinção do JCP pelo Projeto de Reforma Tributária do Governo Federal (PL 2.337/21). Ainda, há que se lembrar que julgado em questão foi favorável aos contribuintes apenas em face da regra de desempate prevista no art. 19-E da Lei 10.522/2002[2], o qual é objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 6.415, 6.399 e 6.403 perante o Supremo Tribunal Federal.
De toda forma, é uma sinalização favorável aos contribuintes que dispõe do JCP como instrumento de remuneração aos seus investidores, com a vantagem de deduzir o montante como despesa do IRPJ/ CSLL, reduzindo a excessiva carga fiscal brasileira.
Forte abraço!
Professor Fabio Silva
https://linktr.ee/Prof.Fabio
[1] “Art. 29. Para efeito de apuração do lucro real, observado o regime de competência, poderão ser deduzidos os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas”.
[2] Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte.