A legislação do PIS e da COFINS, ao dispor sobre a sua base de cálculo, determina expressamente que as “vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos” não integrarão no cômputo do cálculo das contribuições.[1]
Apesar da previsão legal, surgiu intenso debate quanto ao enquadramento de certos descontos como de natureza condicionada ou incondicionada, levando a Receita Federal do Brasil a criar um extenso contencioso sobre o tema, envolvendo desde o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) até o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”).
A título de melhor elucidação, vale remorar os conceitos envolvidos nas operações com bonificações, descontos incondicionados e condicionados, senão vejamos:
Nesse contexto, em recente decisão, a 1ª Turma do STJ, ao analisar o Recurso Especial nº 1.836.082/SE, em sessão do dia 11.04.2023, entendeu que os descontos condicionados devem ser excluídos da base de cálculo do PIS e da COFINS, fazendo ressalva, no entanto, que tal exclusão só se aplica ao contribuinte adquirente das mercadorias, e não ao fornecedor que concede o desconto.
A lógica adotada pela Relatora do caso, Ministra Regina Helena Costa, foi no sentido para o varejista (comprador), independente do desconto recebido, o montante nunca representará uma receita, pois quem compra algo sempre incorre em custos.
Pontuou, ainda, a Ministra que “sob a perspectiva da aquisição dos produtos pelo revendedor [varejista/comprador], a bonificação percebida atenua o montante a ser desembolsado a título de custo da operação. Trata-se, portanto, de redução do valor da compra dos bens a serem posteriormente comercializados, cuja análise não guarda correlação com o conceito de receita como ingresso financeiro positivo ao patrimônio do varejista. Nesse caso, a obtenção de receita somente ocorrerá quando da revenda ao consumidor, ocasião na qual terão relevância apenas eventuais abatimentos outorgados ao cliente final e não aqueles usufruídos em operações anteriores”.
A decisão da Corte implica num importante precedente, pois define que os descontos percebidos pelo revendedor, ainda que condicionados, não se enquadram no conceito legal e constitucional de “receita bruta”, conceito este que inclusive foi delimitado pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”), notoriamente quando da discussão a respeito da exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS (Tema 69 da Repercussão Geral).[1]
Todavia, em que pesem os argumentos adotados até então, a 2ª Turma do STJ, quando do julgamento do Recurso Especial nº 2.090.134/RS, em sessão de 05.12.2023, adotou entendimento diametralmente oposto, aduzindo que os descontos condicionados representam, em verdade, uma retribuição devida pelo fornecedor ao varejista decorrente do tratamento favorecido dado aos produtos adquiridos. Nos termos do Acórdão:
“V – Na hipótese, os ‘descontos’ e as bonificações, embora possam repercutir no preço ao consumidor, são as retribuições devidas aos varejistas pelos fornecedores, em virtude das medidas destinadas à ampliação de vendas dos seus produtos (propaganda e promoções, por exemplo) e do posicionamento e tratamento privilegiado nas gôndolas e nos estabelecimentos (aluguel de espaço e verbas para promotores de vendas, por exemplo).
VI – Os descontos e as bonificações representam a remuneração pela fruição da estrutura disponibilizada pelos varejistas; e, portanto, devem ser incluídos na base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins, por constituírem receita bruta, na forma do inciso IV do art. 12 do Decreto-Lei n. 1.598, de 1977. Não por outro motivo tais valores deixaram de ser destacados nas notas fiscais das mercadorias”.
Vale destacar, no entanto, que o caso então analisado pela 2ª Turma do STJ envolveu descontos condicionados recebidos tanto em dinheiro, como por meio de compensação contábil entre fornecedor e varejista e, também, por meio de dação em pagamento. Assim, como os descontos não constavam em nota fiscal e constituíram “formas de adimplemento das obrigações”, a Corte Superior entendeu pela incidência do PIS e da COFINS.
Apesar da forma de concessão do desconto não ter sido objeto de análise no REsp 1.836.082/SE, percebe-se que há uma evidente divergência de entendimento entre as Turmas do STJ no que se refere à própria tributação ou não dos descontos condicionados, representando séria insegurança jurídica sobre os contribuintes, principalmente do ramo varejista.
Enquanto tal entendimento discordante não for uniformizado na Corte – seja por meio de embargos de divergência ou por meio do julgamento de Recursos Repetitivos, que envolvem ambas as turmas no deslinde do tema –, consideramos, em termos conservadores, que apenas os descontos condicionados registrados em nota fiscal ou em fatura de venda, e que sejam unicamente processados por meio de desconto financeiro, podem ser excluídos da base de cálculo do PIS e da COFINS.
No mais, caso os descontos não acompanhem os documentos fiscais, ou sejam contabilmente compensados com outros débitos existentes junto ao fornecedor, consideramos altos os riscos de autuação por parte da Secretaria da Receita Federal, sendo recomendável o manejo de medida judicial autorizativa que garanta a exclusão dos descontos da base de cálculo do PIS e da COFINS, evitando-se assim a possibilidade de imputação de multas por descumprimento da legislação tributária.
Forte Abraço!
Fabio Silva
Kauê Guimarães Castro e Sousa
[1] Recurso Extraordinário nº 574.706/PR, Ministra Relatora Cármen Lúcia, Julgamento em 15/03/2017.
[1] Alínea “a” do inciso V do § 3º do art. 1º da Lei nº 10.637, de 2002, e da Lei nº 10.833, de 2003.